Eu me sinto
estarrecido com a violência do homem contra a mulher. Não existe, a meu ver, um
ato de covardia mais humilhante. A força do homem não lhe foi concedida por Deus para atos dessa natureza e sim para defender a mulher que, na constituição da
família, entra com a parte da sensibilidade tão necessária ao ser humano
na sua formação. --------- Portanto, entendo que a força do homem é para
proteger a mulher. ------- É verdade que existem mulheres exaltadas e
agressivas que não reconhecem a inferioridade da sua força física e avançam nos
homens principiando um atrito. Mas esse não é o caso da personagem da nossa
história e nem justificaria hum homem levantar a mão contra uma mulher.
Eu tenho bem
guardado, nas gavetas da minha memória, um fato triste que presenciei, quando
criança, na residência de um casal Lourdinha e Tiãozinho, ---- Eu frequentava a
sua casa que tinha um grande quintal onde eu brincava com o seu filho Jesus,
mais ou menos da minha idade. Por mais que eu viva, jamais me esquecerei do
drama que assisti ali naquela residência e que ficou marcado como um ferro
candente no meu cérebro para o resto de minha vida.
Lourdinha, uma mulher
de traços lindos, morena escura, canelas finas, corpo mediano, lindo e sedutor,
capaz de atender os mais exigentes anseios masculinos, porém, faltava-lhe
trato. ---- Um banho de loja e alguns cuidados, com certeza, lhe faria sósia da
famosa Taís Araújo, atriz da Rede Globo de Televisão. ----- Se ao nascer lhe
tivesse sido dado um endereço diferente para aportar-se neste mundo, o destino
de Lourdinha poderia ter sido muito diferente.
No entanto o torrão
natal que lhe foi concedido foi nos fundos de uma fazenda, sendo depois sido
transferida para um canto da cidade de Candeias. Como filha de pessoas humildes sem nenhuma
perspectiva de vida. Nascera num meio pobre, o pai lavrador e a mãe doméstica.
Contudo, faltou-lhe um meio favorável e sendo o homem um produto do meio,
podemos reconhecer que Lourdinha foi favorecida pela natureza nas a sorte nunca
lhe teve presente.
A pobreza eleva
o ser humano que sabe viver com dignidade diante das dificuldades. Mas a vida
sempre apresenta uma promessa de sonhos que todos esperam no seu amanhã. Mas o
destino de Lourdinha não lhe prometia nada se não lhe bastassem os problemas
que a vida lhe teria oferecido oriundos do berço. ---- O único sonho de
Lourdinha realizado em toda a sua vida, foi ter participado das coroações da
Mãe Maria no mês de Maio. Ela conseguiu ganhando de presente, já usadas, as
asas e veste de anjo de uma amiga que já teria passado da idade para tal.
Aos 17 anos durante
uma Festa do Rosário, se envolveu em namoro com um cidadão fora dos bons princípios
morais, sem ânimo para o trabalho e o pior: cheio de tendências negativas. Era
dado à bebida alcoólica e nos excessos se transformava totalmente de
comportamento e personalidade. --- É de todo sabido que o álcool não sendo
usado com moderação, faz efeitos diversificados e pode até chegar ao
agravamento levando o ser humano a caminhos tortuosos, caminhos contrários aos
bons costumes impostos pela sociedade.
Lourdinha conheceu
Sebastião em uma Festa do Rosário. Dias depois com a pose de bom mocinho
aproximou-se dos pais da moça para pedir autorização para o namoro. Como
contava com dezesseis anos e ele já rapaz feito, com uma profissão, (Era um
pedreiro de meia colher) o namoro foi autorizado tendo em vista os pais
julgarem-na ter os dotes necessários pra o casamento, pois, sabia cozinhar, lavar
e cozer. -------- Logo depois, se casaram com a aprovação da família que via
para a filha uma reserva de futuro,
Sebastião era pedreiro
do tipo meia colher. Era conhecido por Tiãozinho, mas, não tinha nada de
“inho”. Era um mulatão forte, alto, cabelo bem aparado, rosto largo, dentuço,
nariz tala larga e uma boca de dimensão respeitável que esguichava uma voz
pastosa, principalmente, quando estava bêbado. Tipo encrenqueiro. Não se dava
bem, nem mesmo, com os seus pais. Brigava por coisas ínfimas como, por exemplo,
se alguém lhe tomasse o seu pedaço de frango preferido já era motivo para um
falatório danado.
Chamava o pai de bobo
e a mãe de ignorante, em um tempo em que os filhos beijavam as mãos dos pais.
Era grosseiro e estúpido enquanto a mulher era uma figura delicada e amável.
Quase sempre, entrava
em conflitos nos botequins quando exagerava nos goles e, ao chegar a casa,
tinha a mão solta sobre a família, principalmente, na pobre mulher que vivia
com o rosto sempre mostrando as marcas da violência do marido. Os pais,
comumente, em conformidade com a história bíblica dos “Setenta vezes sete” (Mateus 18/22) não
se envolviam e o pior é que não existia lei que punisse isso. Aquela velha
história de que em “briga de marido e mulher não se mete a
colher” era coisa efetiva. Para certas mulheres, a sua
própria casa poderia ser vista como um protótipo do inferno.
O irmão caçula de
Lourdinha iria casar-se na cidade de Campo Belo e a família foi toda mobilizada
para a cerimônia. Tiãozinho teria descartado a sua presença, mesmo porque não
teria como comprar roupas e nem arcar com um presente. Permitiu que a mulher
viajasse desde que não lhe coubesse nenhuma despesa o que lhe foi bancada pelo
seu irmão que tinha uma posição financeira boa.
Três dias foi o tempo
de ausência de Lourdinha enquanto esteve hospedada com seus familiares na
cidade de Campo Belo. Naquele afã da festa, as mulheres se arrumaram com esmero.
Lourdinha foi levada a mudar o seu visual, pinçando as sobrancelhas, depilando
as axilas, buço, etc. Isso, com certeza, teria mexido, talvez, com a única gota
de vaidade que lhe restava.
O filho mais velho do
casal não teria ido. Permanecera com o pai. Eu e ele éramos amigos e sempre nos
juntávamos para brincar de bolinha de gude e rodar pião no quintal de sua casa
que ficava nas proximidades da venda do Antônio do Orcilino, hoje mercearia do
Rogério, na Rua Coronel João Afonso, com Rua José Furtado.
Lembro-me como se
fosse hoje. Eu estava presente, quando chegou Lourdinha, toda feliz, com um
visual mais cuidado, ainda dentro do vestido da festa, presente de sua mãe. O
cabelo teria ganhado um banho de óleo e o rosto retocado. Trazia no colo a
filha caçula e um embrulho com alguns doces, bombons, pedaços de bolos, ou
seja, um pouco da festa para agradar o marido e o filho.
Ela não sabia o que
lhe esperava:
Logo depois, ainda
naquele calor da chegada, quando Lourdinha dava a mim e ao seu filho as delícias
da festa, Tiãozinho vem chegando. Não teria ido trabalhar e já estava
embriagado. Quando bateu os olhos empapuçados sobre a mulher e a vê com um novo
visual começou com os ataques verbais que logo passariam aos ataques físicos:
Tomou-lhe das mãos o
embrulho dos doces da festa e o atirou longe. E aos gritos dizia:
--- Vagabunda! Que negócio é esse de subaco rapado. E esses ôio pelado?
Onde qui ocê tirô isso? Até a boca tá rapada. Que mais que ocê rapô? O que ocê
andô fazeno nesse inferno de casamento? Deve tá tudo rapado sua “puta”, sem
vergonha. Ocê tá mais é pareceno uma vaca do Zé Bolinha. (Zé Bolina era
o dono da zona do meretrício). Muié, igual
ocê, pricisa é morre! Sua ordinária. Trem ruim. Ocê juntô com a cachorrada da
sua famía pra vortá desse jeito igual uma vagabunda de zona. Eu vô te mostrá
sua safada, ispera aí.
Pegou a pobre mulher às
tapas e lhe tomou pela nuca arrastando-lhe até a uma caixa d’água próxima à
porta da cozinha e lhe mergulhou a cabeça causando-lhe um estado de desespero
tão grande difícil até mesmo de descrever. Lourdinha estava ali, às portas da
morte. Daí o canalha soltou a pobre mulher que se foi ao chão, cujo vestido
novo se misturou com a lama da beira da caixa.
O rosto refletia a
presença da morte. Eu e seu filho, Jésus, (chorando) com os olhos arregalados,
assustados, impotentes, intimamente desesperados, assistimos àquele quadro de
terror, quando aquele homem que mais parecia um animal irracional tomou-se da
mulher e a depositou numa cama saindo em seguida para a rua.
Diante disso, eu e o seu filho saímos
desesperados até a venda do Antônio do Orcilino e pedimos socorro o que fez
logo com que a casa se enchesse de gente.
A partir desse dia, algo muito sério aconteceu
com Lourdinha. Talvez, uma forte lesão cerebral. Ela nunca mais foi a mesma.
Ficava o tempo todo olhando em uma só direção. Não ria, não chorava, tornou-se
uma criatura vegetativa. Não dava notícia de nada e não falava coisa com coisa.
Os filhos que outrora andavam limpos e saudáveis já não mostravam esse quadro.
Tiãozinho vivia bêbado. Saía cedo e voltava à noite. Não fosse a família de
Lourdinha, esta e os seus filhos teriam morrido de fome.
Após algum tempo,
mudaram-se para a cidade de Formiga e eu, nunca mais, tive notícia dessa
família. Até que um dia, muitos anos depois, no Bar do Vicentinho Vilela,
alguém se aproximou de mim e perguntou:
---Disseram-me que você é o Armando?
---Sim, pois não...
---Eu sou o Jésus da Lourdinha.
Talvez, você não se lembre de mais de mim. Moro em Belo Horizonte e sou
motorista de táxi.
---Claro que me lembro de Jésus! Como
iria me esquecer de você, meu amigo!
Após um abraço emocionante, perguntei:
---E sua mãe? Como está?
---Minha mãe morreu muito nova, logo
após nossa mudança daqui. Ela nunca mais se entendeu como gente!
Naquele momento, caíram
duas lágrimas que se encontravam guardadas nos fundos dos meus olhos, há muitos
anos! Não tive coragem de perguntar pelo seu pai e, felizmente, ele não me
disse nada a respeito dele.
Eu gostaria tanto de
não ter esta história para contar! Ela me transporta ao inferno das mulheres
violentadas por demônios que pensam que são homens.
É triste! É muito triste!...
Armando Melo de Castro
Candeiasmg.Casos e Acasos
Candeias -MG
NB) O título um tanto bizarro inspirado na estranheza da palavra até então para mim. Era um tempo em que os meninos eram muito bobos. E a palavra teria sido pronunciada várias vezes.
NB) O título um tanto bizarro inspirado na estranheza da palavra até então para mim. Era um tempo em que os meninos eram muito bobos. E a palavra teria sido pronunciada várias vezes.
Um comentário:
Gostaria que o seu relato fosse apenas de sua imaginação, só que em virtude de tantos detalhes teria que ser verdadeiro. O título não faz jus a tanta beleza e inocência, más é você quem viveu esses momentos, viu o abuso de um marido ciumento e ignorante.
Eu gostei muito. Parabéns. Continue escrevendo.
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