Foto para ilustrar o texto.
Quando eu
contava com os meus dezoito anos, era magro feito um danado e tinha uma grande
vontade de ser gordo. Comia, comia e, quanto mais comia, mais magro ficava.
Quando eu me entendi com a minha magreza, entrei na onda de ser gordo. Agora,
que estou velho, não posso ter preguiça de andar, preciso passar fome e, ainda,
ser alvo de comentários aborrecíveis.
Estou
fazendo dieta. O excesso de peso me incomoda. As roupas começam a “enfiar”... ----
As banhas começam a pegar debaixo do ombro, a gente começa a andar com os
braços abertos... Parece até que vai voar!
A barriga cresce e vem logo as dificuldades para aparar uma unha; para
calçar um sapato... Meu Deus que horror!
Ficar sem
beber uma cervejinha é um grande sacrifício. ---- Passar de frente a uma
lanchonete com fome, com o dinheiro disponível no bolso para gastar e não poder
entrar e comer; ----- Deixar de comer o meu feijão com arroz à vontade e saborear os meus
torresminhos... O meu bife mal passado, o
meu churrasco dois pelos, isso para mim é um castigo...
Ficar
andando sem destino! Ah! Meu Deus do Céu!... Eu não sei como existem pessoas
que dizem gostar de fazer caminhada! Isso para mim é terrível! -----
Bem, afinal eu tenho que me submeter a tudo isso. Enfim, é uma questão de razão. Eu devo fazer esse sacrifício, mas que é difícil... Ah! Como é difícil...
Bem, afinal eu tenho que me submeter a tudo isso. Enfim, é uma questão de razão. Eu devo fazer esse sacrifício, mas que é difícil... Ah! Como é difícil...
Primeiro
dia de caminhada. Ao passar em uma das ruas do meu mapa que fora cuidadosamente
traçado, passo defronte à casa de um amigo meu assentado em um banco à sua
porta. Como há tempos eu não o via, não me foi possível evitar uma parada. ------
O Pedro mais parecia um Buda gigante, todo esparramado. Suponho que oitenta por
cento do seu corpo foi tomado pela barriga que parecia um fole de ferraria. As
pernas abertas. Camisa de fora das calças. Ponta da língua fora da boca e
respiração ofegante. Contudo, sorridente como sempre.
---Olá
Pedro, como vai?
---Bão e
gordo!
---Você
está gordinho mesmo!
---Gordinho
não. Eu tô gordão! --- E riu gostoso.
---Você,
então, gosta de ser gordo?
---Num é
que eu gosto. É qui eu fico muito preso dentro de casa e preso come muito.
---Você
já tentou fazer dieta?
---Num dô
conta não. Nem penso nisso. Cumê é bão dimais, Armando!
---E você
come muito? ---Perguntei.
---Uma
latinha dessas de doce eu abro ela e logo, logo, meia vai imbora. ----- Ovo é
meia dúzia frito cum farinha. Pão de queijo uns cinco cum carne. Cedo é meio
bolo. Carne eu gosto é bem mantegosa. Gosto de cumê até iscorrê mantega no
canto da boca. Uma custela de boi assada e um pedaço de toicinho de barriga,
ah, num tem coisa mió não. Frango tá teno qui sê dois. Um vai quais só pra mim.
Agora, o que me ingorda é o arrôis. Esse é qui é danado. Eu como quais uma
caçarola de arrôis duma veis. É o qui tá me engordano. Mais eu num dô conta de
dexá de cumê não. Quero morrê de barriga cheia... E deu aquela risada gostosa.
---E você
não sente nada?
---Sinto
umas parpitação. Eu até tô quereno ir no médico mais é que a gente chega lá e
ele inventa tanto remédio que eu até vô ficano.
---Você
não tem medo?
---Medo
de quê? De cumê? (Riu satisfeito)
Eu num tenho medo nem de morrê qui dirá de cumê? Um dia eu iscutei, num sei
quem falá, qui a baleia só bebe água e come peixe e é gordona.----- Ah! Tamém
quando eu morrê de todo jeito eu vou virá ossada memo. Tá bão! O maió disajeito
é quando eu vô no banheiro. Aí a patroa tem que me ajudá!
---Ajudar?
Como assim?
---Eu num
dô conta de limpá não...
---Quer
dizer que...
---É ela
que me limpa!
---Ela
que limpa você!? Não!!!
E eu
depois disso, saí assustado, andando feito um louco e naquela ânsia de emagrecer
fui pensando sem parar: ----- Puta que pariu a mulher ter que limpar a
bunda dele?!!!!! ----- Meu Deus me acode!!! Eu preciso de ajuda enquanto há
tempo... Perto do Pedro, eu estou magro! Afinal, eu quero é ser livre como um
lobo e não quero ficar preso às minhas banhas, como preso fica o cão na
corrente.
À frente,
encontro-me com uma antiga vizinha sorridente e diz:
---Olá,
Sr. Armando! Andando para se emagrecer? Isso é bobagem. Gente velha cansa as
pernas e a barriga continua. Meu pai nunca andou, nunca fez nada. Viveu 96
anos. Vou falar para o senhor: andar para emagrecer é querer ir para o céu sem
morrer. Eu tenho um primo que é carteiro. Ele anda o dia inteiro e está gordo
feito um balão.
---Bem,
só que eu faço dieta, também, Dona Lia!
---Poupando
a boca, Sr. Armando? Não faça isso não! Cuidado com a anemia. O senhor gordo
está bonito. Larga disso!
E nessa
confusão mental, vem em mim a vontade de falar um nome bem feio, daqueles bem
cabeludos, tipo pedra 90. Um palavrão que esvazia a gente por dentro de uma só
vez. Porém, acabou ficando apenas na vontade. Só em pensar, eu devo ter perdido
mais de mil calorias.
Gordo!
Gordo! Saber que um dia eu fui magro e pensei que ser gordo era bom. O
tempo é que era bom. Eu pensava e não sabia o que pensava.
Armando
Melo de Castro
Candeias
MG casos e acasos.