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domingo, 8 de maio de 2011

A RAINHA DO COCHICHO

Até há pouco tempo eu ia todos os meses a Candeias para visitar minha mãe. Apesar da minha residência fora eu sempre me considerei, também um morador presente em Candeias. Durante anos eu intercalei as minhas ações com Candeias, consultas médicas rotineiras, conta bancária, o meu título de eleitor, nunca tomei café que não fosse de Candeias, queijos etc. E mesmo quando morei bem distante, como em Governador Valadares e São Paulo, nunca pude ser considerado um ausente.

 

 À bem da verdade eu me considerava ter duas residências. Mesmo porque eu nunca teria me desligado definitivamente da minha terra mesmo estando trabalhando por muitos anos fora. Com a minha aposentadoria eu fui, ainda mais frequente. Uma espécie de ciclo social que teve fim depois de mais de cinquenta anos, após a recente morte de minha mãe no ano passado.

 

Portanto, durante esse tempo eu estive por várias vezes no consultório do Dr. Celso Andrade na Rua Pedro Vieira de Azevedo, fazendo uma consulta rotineira que faço, uma vez por ano, para ver como está a minha carcaça.

 

Durante a última visita que fiz numa consulta ao Dr. Celso, o médico me recomendou fazer algumas caminhadas. Afinal a idade e o sedentarismo me fazem de certa forma modulado em toucinho e a minha barriga não é que esteja muito grande, mas está ficando caída para frente, criando um debrum e aquilo é de incomodar e causar estorvo. A gente aperta o cinto, mas este não se prende no umbigo. Fica um negócio desarrumado.

 

E já que caminhar teria sido um conselho médico e caminha trata-se de uma tarefa que não podemos delega-la como pagar para que alguém a faça por nós, o recurso é andar. Se tivesse como pagar para andar para mim, eu juro que eu tiraria da boca para isso. Mas como não tenho como fazer isso, o remédio é escutar o conselho do médico e pronto.

 

Assim, naquele momento então, me levantei cedo, às sete horas da manhã, com o estômago forrado, com um belo pão com manteiga, uma canecada de café com leite e mais um pedaço de bolo de fubá, zarpei, todo engalanado à moda dos caminheiros, da minha residência, na Rua Vereador José Hilário da Silva 36.

 

Dali tomei a Rua Pedro Vieira de Azevedo rumo à Praça Antônio Furtado, onde tomaria a Rua Professor Portugal, Amorés e daí, seguindo sempre em busca de uma baixada. O que não estaria, no meu projeto, seria algum morro. Só baixadinha. Afinal, eu não queria gastar energia.

 

Para mim, esse negócio de caminhar é muito monótono. Se a gente vai com alguém tem que escutar tudo que é dieta, tudo que é problema, tudo que é chatice e tudo que é mania daquela companhia.

 

Se, você vai sozinho, vai feito um sonâmbulo. Vai andando, andando, andando. E se dana a pensar, pensar e pensar. Parece que não há uma sintonia com a cabeça e os pés. Eu vou assim: pensando, pensando. A primeira coisa que eu penso é que não paga a pena caminhar. Caminhar, se o objetivo não estiver logo ali no fim da caminhada, é uma coisa esquisita.

 

Se durante a caminhada, a gente, suando, não pode pensar em chegar à casa e abrir uma cerveja, beber um belo de um aperitivo e tirar o gosto com um pedaço de carne dois pelos!!! Ah! Caminhar torna-se uma coisa triste um martírio... Ao contrário disso, uma alternativa seria ir rezando e pedindo a Deus para que os homens inventem um remédio que possa substituir a caminhada.

 

Bem! De qualquer modo, cada caso é um caso. E, enquanto eu não tenho certeza, se meu caso vai compensar, vou zoando por aí.

 

Se existe; eu não sei. Mas, acredito ser difícil encontrar alguém que é chamado de barrigudo e não se sinta contrariado. Esta história de que caminhar faz perder barriga é conversa. Sei de gente que vive caminhando e, quanto mais caminha, mais barrigudo vai ficando. 

 

Existem pessoas que deixam de comer, perdem peso nas outras partes do corpo, mas a barriga continua. Apenas murcha um pouco, mas continua lá. Se a pessoa bebe muita água, a barriga cresce na hora. Se, se come, cresce. Para mim a barriga é a indecência do corpo. Eu tenho tentado tirar do meu vocabulário a palavra barriga e substituí-la por circunferência abdominal avantajada. Eu acho que ficaria mais confortável. A tal de barriga é triste. A gente vai calçar um sapato quase morre com o encontro da coxa com a própria. Perde-se o fôlego. E na hora daquilo!? Na hora daquilo é como diria um amigo meu: “É brabo com força”! Se a mulher é também gordinha, chumbo trocado não dói, mas e se ela for magra, esbelta, toda dentro do trinque?

 

Suponho que o único jeito de perder a barriga seja através de cirurgia, exercícios localizados e boca trancada. De uma forma ou de outra, de modo geral, caminhar deve fazer bem para a saúde, mas esse estilo de “caminhada”, andando sem necessidade de chegar, não causa em mim nenhum bem estar durante o exercício. Posso, por necessidade, fazer tudo isso. Mas, não me sinto bem. O meu ego fica contrariado. E eu lamento.

 

E já esquentadas as turbinas, encontro-me na Praça Antônio Furtado, quando avisto uma pessoa já bastante conhecida minha. Aquela meus amigos, que me atrapalhou a fazer o queijo, quando me pediu dois litros de leite emprestado... --- Ela pouco gentil e pouco amável. Mas, que me prende na conversa. Pensei logo: Aí vem chumbo grosso! Parei.

 

---Bom dia, Sô Armando! Caminhando para perder essa barrigona!?

---É! Mais ou menos isso!...

---O senhor tá muito barrigudo. Precisa dar um jeito nisso, uai!

---Evidentemente, minha barriga não é das menores, mas não chego a ser um barrigudo... Você diz isso porque tem um marido muito magro.

---O senhor tem cara de quem come muito.

---Nem tanto. É a tendência que eu tenho para engordar.

---Engana eu que eu gosto Sô Armando...

---Bem! Eu estou barrigudo, você já viu. E você como está?

---Com perdão da palavra, eu tô tipo dum estrume.

---Uai! O que houve com você para falar assim?

---É os fio, Sô Armando! Eu não guento ficá longe deles.

---E onde eles estão?

---O senhor vai me discurpá, mas eu num posso contá

---Tudo bem, mas por quê o que houve?

---Eles num quer que eu conte pra ninguém.

---Mas, eles estão escondidos?

---Não! É por causa da inveja. O povo das Candeias é muito invejoso.

---Invejoso! Mas, inveja de quê?

---O senhor não faz ideia do quanto os meus fio são invejados nesta terra... Se fica sabendo deles é capaz de fazer até macumba para a vida deles dá errado.

---Quer dizer então que, se você me contar onde eles estão, eu vou sair repartindo de porta em porta a vida deles?

--- Eu num quis dizer isso, Sô Armando! Pelo amor de Deus!

---Tudo bem. Eu perguntei, por perguntar. Agora, eu lhe peço licença porque vou continuar a minha caminhada.

---Não! Espera só um pouquinho, Sô Armando. O senhor me discurpa, Sô Armando, eu me danei com o senhor.

---Deixa isso pra lá.

---Eu queria perguntar uma coisa para o senhor, há muito tempo.

---Pois não. De que se trata?

---A rua do hospital chama hoje Pedro Vieira, Pedro da Dalva do Zoroastro. Mas o povo mais antigo chama de Rua dos Capão. Eu não me lembro quem me contou. E eu ouvi dizer que os Derminda e da famía dos Capão.

---Sim, o meu avô, João Delminda, era parente dessa família.

---Por acaso, alguém da famía do senhor foi capado? O senhor é mesmo da famía dos capão, Sô Armando?

---Sim. Quero dizer, acho que sou. O meu avô, o João Delminda, era parente desse povo. Mas, por que esta pergunta?

---Uai, Sô Armando, o senhor teve alguém capado na famía do senhor? Como é que foi isso. Quem foi? Foi o avô do senhor? Seu bisavô? Conta pra mim. Eu fiquei sabendo que esse povo era parente do senhor e estou quase morrendo de curiosidade, porque eu já fiquei sabendo que o povo da famía do senhor é meio sem vergonha. Mas, eu nunca fiquei sabendo nada do senhor e nem dos seus irmãos e nem nada. Quer dizer, tem gente, na famía do senhor, que é custoso, mas não é por causa de um que todos é sem vergonha, não é mesmo?

---Olha, eu não sei de que e nem de quem você está falando. Parece que você sabe mais da minha vida do que da sua!

---Obrigado, Sô Armando. Eu sei mesmo, muita coisa.

---Um dia desses, a Maria, amiga minha lá do Alto do Cruzeiro, me falou que eu sou uma bilheteira. E que não sabe onde eu fico sabendo de tanta coisa.

---Ela chamou você de quê?

---Bilheteira!

---E você não se ofendeu?

---Não. Por quê?

---Você sabe o que é ser bisbilhoteira?

---Sei.

---O que é?

---Eu perguntei para essa minha amiga e ela disse que eu era uma fiscal da vida dos otro. E isso não é bom?

--- Agora, você me dá licença eu estou indo continuar na minha caminhada.

--- Mas, o senhor não me respondeu quem era capado na sua famía.

--- Olha, ninguém foi capado na minha família. Esse negócio de capão é porque se trata de uma família que veio de um lugar chamado Capão, na zona rural e tomaram esse codinome. Ninguém foi capado. Meu avô era apenas parente dessa gente.

--- Mas, o senhor tem certeza? Eu nunca vi falar em roça chamada Capão não.

 

Eu já estava para perder a paciência e resolvia dar um basta naquele papo:

Quando aquela cidadã, toda entortada, começou a cruzar as pernas e lamentar:

 

--- “Nossa Senhora”! Aiaiai! Jesus!

 

--- Mas o que foi? Está passando mal? Perguntei.

 

---Eu esqueci que tomei três lactopurga e agora!? Tô frita!

 

Pensei, só pensei, mas não falei: Agora, você vai à merda...! Sua futiqueira... E continuei a minha caminhada.

 

Armando Melo de Castro