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sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A SOGRA DO DIABO

Foto para ilustração do texto.

  

A SOGRA DO DIABO

Era dia de finados e eu estava presente em Candeias. Minha mãe ainda viva e meu pai já era falecido. Eu fui então ao cemitério São Francisco visitar o  túmulo do meu querido pai já há anos tendo o seu corpo ali guardado como uma relíquia de minha família. Vejo-me diante do seu túmulo. E já por incontáveis vezes, leio naquela laje tumular aquela sentença asseveradora que me emociona e traz a umidade aos meus olhos:

 “A morte não pode silenciar e nem o tempo pode fazer esquecer sua voz nos ensinando a amar e seu exemplo nos ensinando a viver”.

Sinto uma imensa saudade daquele que foi o eixo das minhas raízes e o germe da minha existência. Consola-me, todavia, imaginar que a saudade, às vezes, é um sentimento que debocha da morte, fazendo com que a gente se sinta que o ente querido não se acabou e que continua vivo e muito vivo dentro de nós. Felizmente, consigo me sentir assim e meus olhos se tornam enxutos.

Ao lado de meu pai, está sepultado um dos seus grandes amigos, o Zé Pacheco. Se em vida tivessem pensado que iriam ser vizinho nessa cidadezinha do pé junto, naturalmente teriam feito alguma piada. Zé Pacheco  e Zé Delminda! Dois bons Josés que naquele dia nadaram e rolaram nas minhas orações.


Resolvo, portanto caminhar pelas ruas do São Francisco, onde estão àquelas moradas trazendo em suas lápides os dizeres da benevolência, do amor e da passagem pelo mundo material; e encontro muitos amigos com os quais eu converso avocando-lhes através das recordações de seus tempos vivos. São tantos... Parece até que a nação candeense da qual eu nasci e convivi está totalmente ali presente.

 Passo pelo túmulo do meu querido amigo Netor Lamounier e bato com ele um papo como se estivesse a me ouvir lá de dentro do seu túmulo. --- Como foi bom passar pelo túmulo de outro amigo, o Mário Rigali, o nosso querido Piloto, do Bar Piloto. Sebastião do Leonides, quanta vez esteve em seu bar e lembro-me da primeira pinga que eu tomei na vida, quando ainda era menino, servida pelo meu pai com a recomendação: “aprenda comigo para não aprender com os outros.” Dona Barretinha... Meu Deus, como é bom me lembrar de Dona Barretinha e o nosso querido Vico Teixeira... Foram tantos amigos que eu visitei ali naquelas “ruas” da cidade do pé junto, que eu não teria espaço aqui para citar todos. Eu tive a impressão que estava visitando a Candeias de 1946, tempo em que nasci e a população daquele tempo.

O entra e sai das pessoas... As concentrações de amigos e parentes, as orações... As flores que se fazem presentes na vida e na morte, dando ao ambiente um clima de festa... Festa da saudade que vive dentro da gente.

Ainda envolto naquele clima de paz e tranquilidade, vejo-me de novo no meu mundo... No mundo dos vivos; e caminhando pela Rua Francisco Bernardino de Sena, nas imediações da funerária Nossa Senhora das Candeias, encontro-me com aquela senhora minha amiga, já conhecida de meus amigos, aquela que atrapalhou o meu projeto de fazer um queijo porque tive que lhe ceder dois litros do meu leite. Encontramo-nos e com e ela já veio com aquele seu jeitão peculiar:

---Bom dia sô Armando! Tava visitando os difunto? É um trem que eu não faço é isso, passear em cemitério...

Olá, como vai você? Há quanto tempo não a vejo... Sim eu fui ao cemitério visitar o túmulo do meu pai...

--- Oia, Sô Armando eu quase não tava conhecendo o senhor. Tá gordo hem.

--- Você se preocupa demais com o meu porte físico. Não é bem assim, eu até emagreci uns quilos... O seu marido é porque é muito magro.

--- Kakakaka, me ingana que eu gosto Sô Armando. O senhor vive na fartura.

---Graças a Deus, é a fartura e a idade, talvez proporcione o favorecimento à gordura.

---Ah sô Armando, com certeza é de fartura. O sinhor deve cumê igual um arado né?

---Mas me diz como vai à família?

--Vai levano Sô Armando! Assim como Deus vai quereno.

---A senhora me parece desanimada... O que está acontecendo?

---É os fio Sô Armando... Desde quando a gente põe fio no mundo, era uma vez o sussego.

---Mas enfim, o que está havendo com os meninos?

---Quer dizê sô Armando, o minino anda pu mundo. E eu que sô mãe muito amorosa num durmo. Meu travissero tá manchado de tudo que lágrima.

---- Mas você não pode ficar assim. Nós criamos os nossos filhos para o mundo. Veja por exemplo os pássaros...

---É sô Armando, mas o que me dana é que eu sô muito amorosa... Criei os meus fio tratano deles na mão...

---E a menina?

---Ah! Sô Armando ai está a pior parte da minha vida com os meus fio.

--Mas como?

---Vamo pará um poco sô Armando, debaixo daquela árvore porque eu quero desabafa com o sinhor. O sinhor é um home de bem vai podê me iscutá e me intendê.

---Pois não, esteja bem à vontade. Vou ouvi-la atentamente...

---Sô Armando, minha fia casô. Quer dizê, casô não. Ela cagô Sô Armando. Casô mal dimais. Casô cum vagabundo... Um trem à toa; um peste, um verdadeiro demonho, um diabo dum trem ordináro. E já tá pá separá dele.----- Não sô Armando! É muito triste! É muito triste a vida de mãe.

---Meu Deus! Mas quem é esse elemento?

---Um diabo que pareceu na vida dela. Eu pidi pra ela num  casá purque eu já tinha visto que ele era um safado. Mas minha fia cega num me iscutô. Paricia que tava cum fogo no rabo e ainda pur cima me respondeu cum brutalidade: "Mãe! Cuida da sua vida que eu cuido da minha"!

Sô Armando! O sinhor não sabe o tanto que dueu ni mim essa resposta. Eu fiquei cum vontade foi de morrê. Eu tava falano pu bem dela. Sempre falei pu bem e tê uma resposta dessa. Foi triste dimais sô Armando. O pai dela já nem fala nada mais nada; ele tinha que escuta  desaforo tamém.

Acabô casô; quer dizê, casô não cagô. Ela tabaiava e enquanto ela tabaiava e pagano conta do vagabundo as coisa foi seno levada mais ou meno. Mais, de repente, não sei  purquê ela perdeu o imprego, e o trem à toa propois pra ela... Iscuta isso Sô Armando: “ocê vai cumê na sua casa e eu vô pra minha, assim nóis num tem que gastá cum cumida”.

Vê só sô Armando! Tem cabimento um trem desse.  Até dá uns tapa nela ele deu. O porco num toma banho não. É um porco sem asseio; as cueca dele tem um risco de merda.

O senhor me discurpa sô Armando, o jeito deu fala... Mais o senhor sabe que os home precisa tê muito cuidado com o asseio, principalmente das parte de baxo. Aquele porco num iscova dente e quando fala perto da gente dá nojo da catinga da boca dele. Eu oferici iscova de dente e pasta de dente prá ele; e ele nem aceitô.

 --- Você tem razão isso é realmente triste!

 ---E tem mais sô Armando, o trem ruim fica mais de mêis sem prucurá ela. O sinhor sabe pra quê né? E quando vem é sem lavá à boca quereno bejá. 

 É um sujo de corpo e cabeça. E tem mais ainda Sô Armando, quiria que a minha fia sujeitasse uns trem qui é pecado. O sinhor sabe o que qui é né!?

 ---Não! Não sei não o que é?                           

 ---Essas coisa de home cum home. Além disso, o sinhor é capais de acreditá que ele quiria que ela fizesse ele de picolé? Tem cabimento uma coisa dessas, sô Armando? Ninguém faiz ideia o tanto qui eu sofro com esse casamento.

 ---Eu quero lhe perguntar só uma coisa: Como você ficava sabendo disso tudo? A menina lhe conta esses detalhes da vida dela?

---Muncado eu vejo e muncado ela me conta...

 ---Assustado, diante de tanta simplicidade me senti perdido na conversa. E já não sabia se chorava com ela ou se ria sozinho... E nessas circunstâncias sugeri que continuássemos a caminhada. E eu sem ter o que falar me mantive em silêncio enquanto aquela amiga viva me dava a entender; estar se sentindo mais morta do que aqueles a quem eu havia visitado momentos antes.

Armando Melo de Castro