Foto Clara Borges.
Nesta época os dias são tão pequenos. Seis horas da tarde e da manhã
ainda estamos no escuro. Estamos agora no principio do mês de julho, quando
deixamos mais um junho para trás. O mês das festas juninas, dos grandes eventos,
com as exposições agropecuárias estão a todo vapor, prometendo shows com
artistas famosos e outras coisas mais. Completamos, portanto dois “junhos” sem
festa junina, sem exposição.
Isso quer dizer que estamos mais pobres. Pobreza não é simplesmente a
falta de dinheiro. Pobreza é falta de lazer, falta de divertimento, falta de
liberdade. Mas numa pandemia, quando ficamos reféns de um vírus, que não sabemos
quando nos livraremos dele, isso é um sinônimo de uma grande pobreza em todos
os sentidos.
A infância é um trecho da viagem cuja estrada não há buracos e nem
tropeços. Ela é alegria e sem dramas. Mas se pinta uma pandemia,
consequentemente esta contamina a infância. --- A inocência e isenção de
maldade é um lugar de onde viemos e que não voltamos jamais. É algo que fica
guardado dentro de nós como um livro de história gostoso de ler. Num entanto as
crianças estão guardando para o resto da vida, nos armários de suas memórias,
esse tempo que será lembrado assim com muita tristeza, pela perda de de mãe,
pai, avós, irmãos etc.
O tempo passa e por vezes nos perdemos nessas encruzilhadas da vida. O presente,
o futuro e o passado. Aí dá vontade de voltar... Mas como não tem volta ficamos
na busca, como se procurássemos aquilo que não perdemos.
Hoje me despertei ainda com o escuro. Como disse, os dias são pequenos nessa
época do ano . Parece até que o dia voa. E que esse tempo de pandemia está correndo mais.
Acordar com o escuro inspira-me ficar pensando. Isso me faz lembrar o meu amigo
Zé Mori, porteiro da Escola Presidente Kenedy, quando ele dizia que colocava
uma garrafa de café na cabeceira da cama, acordava as 4,30 horas da manhã,
tomava um gole de café acendia um cigarro e ficava ali pensando, afinal
levantar-se para fazer o quê?. Do jeito que o Zé Mori contava dava vontade de
acordar as 4,30 e imita-lo.
Hoje aconteceu isso comigo, só que eu não tinha café e nem cigarros,
porque fumei durante 40 anos mas felizmente deixei o vício há mais de 20. E se
eu tenho um conselho para quem fuma, é deixar disso. A saúde melhora muito para
quem deixa de fumar.
Mas numa emulação ao meu antigo amigo Zé Mori, eu resolvi acordar, fui
até a cozinha e tomei um gole de café frio e amanhecido, voltei para a cama e
fiquei pensando. E pensando resolvi dar uma voltinha na minha terrinha, na
minha Candeias querida. E o frio estava tão bravo que resolvi ir passear na década de 50, lá em Candeias na praça
defronte a Igreja do Senhor Bom Jesus.
Ali todo mês de junho aconteciam as comemorações de São João. --- E
sempre quem organizava era o Lico do Matadouro, para outros o Lico da Sinhana. Alguém
trazia um bom tanto de lenha num
caminhão, e lico fazia a grande fogueira. Bem alta com toras de paus que dariam
para queimar até o dia posterior. A fogueira ainda fomegava no outro dia. ----
No centro dessa fogueira eram colocados gomos de bambus cheios de água e
lacrados. E aquilo dava cada estouro muito violento.
Às vezes aparecia por ali uma dupla de cantores sertanejos que ficavam
de fora de uma barraca montada próxima ao chafariz, existente
ali até hoje, claro, inoperante. ---- A barraca preparava um quentão distribuído
gratuitamente para os adultos, um quentãozinho, como diziam, para os meEu tinha a impressão que a nação candeense parava ali naquele local para esta festa. Naquele tempo as pessoas se
locomoviam muito pouco, principalmente as mulheres donas de casa. Se viam nas
missas às vezes, mas nem sempre. E também não podiam conversar se viam nas
igrejas ou na semana santa, mas nem sempre paravam para bater um papo. Mas nas
comemorações juninas, era um verdadeiro encontro de amigos do alto do cruzeiro,
da laje ou da região da ponte. Eram os três pontos fortes da nossa cidade.
Quem preparava a fogueira e o pau de cebo era o Lico do Matadouro. O pau
de cebo consistia numa longa vara de eucalipto, previamente preparada pelo
Lico. Ela não era seca e nem verde. Dias antes, a gente passava por ali e
estava o lico uma hora descascando-a outra ora já lixando-a. Essa vara era fincada à alguns metros da
fogueira. E na sua ponta havia um envelope com a maior cédula do momento. Hoje
seria uma cédula de $100,00 reais. E a meninada ficava muito doida para ganhar
esse dinheiro, que naturalmente seria um bom dinheiro.
Mas só que o pau era lubrificado com cebo ou óleo queimado. E os meninos
se vestiam das suas roupas velhas, que naturalmente ficariam perdidas, para
concorrer ao evento. Os mais espertos subiram mais, e logo derrapavam indo
parar até o pé do pau. Eles faziam escada. Um subia no ombro do outro, E à
medida que fosse limpando o cebo eles
iam atingindo o topo. E no final, aquele que
pegava o envelope saia correndo e a turma atrás dele querendo parte do
dinheiro. ---- Lembro-me de um vencedor --- meu conterrâneo, contemporâneo, e condiscípulo
no Grupo Escolar Padre Américo. “O MOSQUITO” (Antônio Canarinho) Eu nunca
participei desses eventos. Afinal eu era um menino bobo, e gostava só de olhar
e torcer.
Naquela mesma noite havia outros bailes na cidade. Na antiga fábrica de
Farinha do Sebastião da Pecidonha, na esquina de frente o Posto do Itamar. O
pagode era animado pelo Sebastião com um tambor e a sua filha Toninha, casada
com o Paulo Gomide, cantando e tocando o acordeom. Ali se misturavam músicas de
São João, carnaval, sertanejo, boleros e muita pinga. O local tomou o apelido
de “Caldeirão do Diabo”.
Na máquina de Café do Emídio Alves, era o pagode do Chiquinho Ferreira,
irmão do Alvino Ferreira, animado pelo seu genro Amarlene, um sanfoneiro de
primeira e ele num tambor e a sua filha cantando. O repertório era sempre o
mesmo, músicas sertanejas, boleros, carnaval, São João. Nos bailes de carnaval,
quando o salão ficava meio fraco, Chiquinho dizia para a sua filha, Solta a
jardineira minha filha (Música de carnaval) Aí a coisa fervia.
No Clube Recreativo Candeense durante todo o mês havia quadrilha todas
as noites, animadas pelos Srs. Geraldo Vilela e Alvino Ferreira.
Quando faltava luz na cidade por problemas técnicos na usina
hidroelétrica do Sr. Bonaccorsi, o povo ia para as portas das ruas e os
vizinhos interagiam-se nos mais diversos assuntos.
A cidade não era tão deserta como nos dias atuais. O povo saia mais;
convivia mais; visitava mais, e era mais solidário porque não existia a
televisão. Infelizmente as novelas prendem as pessoas em silêncio a conviver
com os dramas criados na cabeça de uma só pessoa, que seja o autor de uma novela
nem sempre benéfica.
Eu gosto do mundo de hoje. Sem dúvida temos mais conforto, temos mais
dinheiro, temos mais recursos. Mas eu
sinto que o povo antigo, era mais tranquilo, era mais amigo, era mais sincero. Desculpe-me
meus amigos. Eu falo por mim. Posso estar enganado. Afinal sou de gerações
ultrapassadas.
Armando Melo de Castro