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segunda-feira, 18 de julho de 2016

O LÍNGUA DE TRAPO.



No meu tempo de adolescente em Candeias as coisas eram muito diferentes dos dias atuais a começar pelos trajes. Não havia muitas roupas coloridas. O Jeans ainda era raro, o brim e o fustão dominavam e as mulheres pouco usavam calças compridas. Os meninos tinham as cabeças raspadas para evitar piolho nas escolas e por uma questão de economia.

Os jovens eram mais acanhados e reservados; as moças eram mais tímidas e discretas. Não existiam casais de namorados se beijando pelas ruas. Isso era feito às escondidas, e quando dois namorados tomavam-se das mãos eram observados e candidatos a um matrimônio próximo. O jovem já teria pedido autorização aos pais da moça para fazer a corte de sua filha e apresentado condições de assumir um namoro que prometesse um casamento futuro. Fora disso, era um deus-nos-acuda.

O namoro às escondidas era sinal de má intenção do rapaz e falta de juízo e irresponsabilidade da moça. E quando os pais da moça descobriam era aquela guerra de família. Os pais, de ambas as partes, tinham interesse de que os seus filhos se casassem com candidatos aquinhoados. Portanto, os jovens pobres sempre passavam por algum tipo de humilhação. O rapaz no mínimo tinha que ter um emprego, e se bebia ou fumava já seria um partido restrito. Se fosse dado aos jogos de azar, o que era comum em Candeias, o jovem já seria visto como um “perdido”.

A fofoca era muito mais ativa comparando-se aos dias de hoje; sobre essa questão os patrulheiros do alheio não perdiam tempo. Os vizinhos então!... Eram de amargar. Dizem que o amor é cego, mas os vizinhos não. Casal que namorava no portão eram vitimas  dos vizinhos; esses seriam capazes de saber até a cor da calcinha da moça e da cueca do rapaz. Naquele tempo era pior porque as pessoas assentavam no rabo para falar do rabo dos outros. Sabiam das filhas dos outros, mas não sabiam de suas próprias filhas.

Os rapazes da cidade gostavam de ajeitar uma namoradinha da roça para desenvolver o seu ego. Elas com as suas carinhas de santas eram bem mais acessíveis porque vinham da roça querendo um namorado da cidade, enquanto os pais queriam que elas se casassem com os vizinhos roceiros para receber o benefício do pedaço de terra que viria através da certidão de casamento.

Raramente um rapaz da roça namorava uma moça da cidade. Naquele tempo rico era quem tinha terra e os fazendeiros que residiam na cidade era a elite da época. Enfim, a zona rural era bastante populosa, as fazendas eram mais extensas; muitos sitiantes e havia muita produção de grãos e gado.  Era, a agricultura e a pecuária que garantia a economia do município.

Na zona rural havia muitas escolas municipais. Os professores permaneciam hospedados nas fazendas e vinham nos fins de semana. A partir da inauguração do Grupo Escolar Padre Américo, hoje Escola Estadual, muitos pais trouxeram os seus filhos para a cidade para que pudessem completar o curso primário.

Entre o Posto de gasolina do João do Nestor e a Casa Celestino Bonaccorsi, existia uma velha casa, de aluguel que de quando em vez trocava de morador. Teria vindo de mudança uma família de ruralistas, que tinha uma penca de filhos. Entre a filharada, havia um adolescente contando os seus quinze anos. Chamava-se Eustáquio. Eustáquio era um bobo metido a sabido. Gostava de entrar nos assuntos dos outros sem saber... Gostava de falar de mulheres como se já tivesse tido vários amores. Gostava de contar histórias vividas por ele lá na comunidade onde vivia, mas sempre caia em contradições. Ele, naturalmente, repetia como um papagaio, aquilo que teria ouvido de outras pessoas.

A praça defronte ao Posto do João do Nestor teria sido inaugurada recentemente, e era comum os jovens se aglomerarem junto aos bancos para trocar ideias, falar de suas aventuras, no escurinho do cinema e do “piscadinho” de olho que teria dado para certa ninfeta.

Certo dia quando ali reunidos estavam eu, Zé Pança, Dico do Josias, Joel Pacheco, e outros que não me lembro no momento, aproxima-se o Eustáquio. Aproximou-se e já foi entrando na nossa conversa.

Do outro lado da rua passava uma das jovens mais bonitas da época em Candeias; filha de um pai de filhas bonitas, o Sr. Inácio Pacheco Lopes.  Elas eram Zélia, Neusa, Leda, Eneida, Inegmar e Eliana. Todas muito bem casadas. Mas a moça que passava do outro lado da rua era a Inegmar,  ainda bem jovem e solteira; parecia uma boneca com o seu corpo bem feito e o seu porte discreto salientando uma saia de anágua muito bem engomada.

O Eustáquio, no seu porte de cabaceiro de cafezais, chama a atenção da turma e diz:
Oceis tá veno aquele “pixinho” gostoso que vai do outro lado? Onti eu vi até a carcinha dela. Ceis precisava vê qui trenzinho. O vento bateu na bunfinha dela que levanto e eu vi tudo. Logo na hora que eu for toma o meu banho eu tenho no que pensar. Vô fecha o ôio e vô sangra a curuja.

Nisso o Joel levantou-se e um tanto irritado, bradou:

----“Fala isso ai de novo seu caipira! Fala! Você sabe que aquele trenzinho é minha irmã???? Seu merda fala de novo! Seu língua de trapo!”.

-----”Que isso sô Joeer, eu tava era brincano, eu pensei que era uma cunhicida minha”... Eu num vi nada não, num sei de nada não... Que isso! Nosso que moço brabo meu Deus do céu!

Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos

Um comentário:

Forma Soluções em Gestão e Edcuação disse...


Este tipo de 'gafe' é muito comum ;-) eu também já estive presente em uma situação semelhante e o nervosinho também era irmão!

Este 'causo' me fez lembrar de como eu ficava intrigado com algumas considerações sobre algumas 'moças' lá pelos anos 60...

Eu ouvia as matronas dizerem: "coitada tão bonita, mas é perdida". Puxa! Eu levei um bom tempo até encontrar alguém que me explicasse o que era 'Perdida".

Hoje não existem mais! Todas se encontraram e todos estão felizes.

Abraço Armando, continue com suas publicações, são ótimas.