Total de visualizações de página

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

RETALHOS DA MINHA INFÂNCIA!


Eu acho que apesar de ter sido um menino pobre nunca tive formado na minha alma um sentimento insensível de revolta, uma queixa amarga e silenciosa, contra as desigualdades estabelecidas pela vida. Isso porque havia dentro de mim, graças ao bom Deus, um espírito sempre me orientando a manter um contato do meu coração com a realidade da vida.

As mudanças comportamentais na minha adolescência não me marcaram negativamente, portanto eu posso me considerar ter sido um bom filho, não apenas por ouvir os meus pais dizerem isso, mas pelo que reflete a minha própria consciência.

Como eu sempre digo, eu fui um menino bobo, muito bobo. Daqueles que se escondia quando ouvia uma batida na porta. Mas não gostava de ser assim. Eu tinha vontade de arrancar de dentro de mim aquela parte idiota e tola, aquela timidez que tirava o lustre da minha vergonha.

Sou o filho mais velho de uma ninhada de seis irmãos. Sai de Candeias ainda muito jovem, mas Candeias não saiu de mim até hoje. Fui orientado por meus pais a amar tudo que Deus me deu.  E já que me foi dado o direito de dizer que Candeias é a minha terra, eu sempre fermentei dentro do meu coração esse sentimento de bairrismo, de amor, mesmo não tendo sido agraciado com a sorte de poder viver o tempo todo debaixo de suas nuvens, ou sob o brilho do seu sol, eu venho sempre à busca desse lenitivo que felicita a minha existência.

Ausente de Candeias eu reviro as gavetas da minha memória. E aqui estando, eu revivo a minha infância pobre; as minhas tolices descartadas, bebendo da minha primeira água, vendo a minha pia batismal e os meus santos com os quais fui orientado na fé.

Hoje de manhã, estando fora de Candeias, depois de deliciar-me com um belo pedaço de bolo de fubá, feito por minha mulher, dentro dos conceitos da boa culinária, busquei encontrar bem nos fundos de uma das gavetas do armário da minha memória, a receita de um bolo de fubá que eu fazia, quando tinha por volta dos meus dez ou doze anos de idade. 

A receita era simples, mas o bolo era gostoso para quem não tinha problemas com azia estomacal ou não conhecesse outras receitas;  principalmente para quem não possuía os ingredientes suficientes para uma iguaria melhor, esse bolo não era bem uma delicia, mas deixava quem o comesse em paz com a fome.

03 canecadas de fubá --- 02 canecas de açúcar.  ---01 colher de gordura de porco. --- 01 copo de leite. Água para inteirar. 01 ovo, ou 02 no máximo. --- 01 colher de sopa de bicabornato. --- Um cavaquinho de canela e uma colher de açúcar socados até ficar bem fino.--- Uma caçarola de ferro,--- um pedaço de lata tipo a tampa da panela e brasas.

Ajuntava todos esses ingredientes numa gamela de madeira, e mexia até soltar bolhas; depois passava um pouquinho de gordura no fundo da panela (não existia óleo e nem margarina e manteiga de leite era muito caro) colocava na panela e levava ao fogão de lenha. A panela era tampada com a lata tipo uma tampa cheia de brasas. Depois de assado, jogava por cima a canela e o açúcar socado e esperava esfriar para saborear. O pior era a demora em esfriar e a gente ficar esperando.

Enquanto existiam os fogões a lenha eu fiz esse engasga gato, que eu e meus irmãos comíamos como se fosse o manjar dos deuses. Hoje, a gente come coisas que nem se compara, mas para quem a pobreza era uma coisa natural não existia coisa melhor.

Certa vez eu de posse de uma revista vi diversas receitas. E dai fiquei procurando uma que fosse a mais barata. E ao encontrar uma, corri para a minha mãe a mostra-la, quando ela sorrindo me disse:
"Isso é angu meu filho"! 

Caímos na risada! Era a receita de polenta e eu pensei que polenta era bolo.

Ser pobre não é ruim. O ruim é não aceitar a pobreza e chorar por ela.

Armando Melo de Castro.

Candeias MG Casos e Acasos


Anônimo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "RETALHOS DA MINHA INFÂNCIA!": 

Fuba suado, café adoçado com rapadura, fruta do lobo, arroz canjiquinha e manteiga caracu foi meu cardapio
pé cascudo.
Bruno Gomide
E eramos felizes 


Era de muita gente Bruno. Eu tenho ainda nos meus hábitos, a rapadura e a canjiquinha de arroz com couve rasgada. A canjiquinha eu encontro no mercado municipal e está custando mais cara do que o arroz de primeira. Acontece que as máquinas modernas não quebram o arroz, e para vender a canjiquinha eles o quebra. Grande abraço.

Nenhum comentário: