Total de visualizações de página

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

ERA UMA VEZ UMA VIZINHA QUE GOSTAVA DE FLORES!


Sou um aposentado fiel ao meu aposento. Eu não durmo com as galinhas como dizem, ou seja, eu não durmo cedo. Vejo todos os dias o relógio marcar meia noite ou mais. Mas, mesmo assim, me levanto cedo. Logo que me desperto com o clarão da aurora, já fico de pé, não dou conta de ficar na cama. Cama para mim é só para dormir. Posso me deitar a qualquer hora, mas não compenso o “deitar” com o “levantar”. De manhã tenho o meu ritual: Levanto-me vou ao banheiro faço ali o necessário e logo vou para a cozinha; ponho três ovos para esquentar e quentes os coloco num copo, adiciono canela, sal e um pouco de azeite. Este é o meu tira jejum, bom para a vista, para o estômago e evita o diabetes. Café eu tomo logo que a minha mulher se levanta, ela é mais chegada numa cama.

Dai abro a janela da sala que dá para a rua. Dou uma espiada para baixo e outra para cima. Vejo os carros que dormiram na rua, e dou uma olhada para os céus e fiscalizo o prédio do Itamar, um arranha céu de dezoito andares. Um edifício de gente aquinhoada, e se é chamado de prédio do Itamar é porque na sua cobertura morava o ex-presidente Itamar Franco.

No outro prédio que circula a vizinhança, quase de frente com o modesto prédio onde eu moro, tem uma vizinha que se levanta antes de mim. Logo que abro a minha janela, lá está ela já de pé, e ainda sob o clarão da lâmpada cuidando de uns pequenos vasos de folhagens na sacada de seu apartamento. Ela olha para cá e eu olho para lá. Nunca conversamos e não nos conhecemos pessoalmente; comunicamo-nos apenas com os olhos. Eu aprovo as suas plantas e ela me agradece. É uma senhora idosa, de porte elegante, parece que sofre de insônia e está sempre envolvida num chambre vermelho.  E as suas plantinhas são tratadas com tanto carinho, com tanto esmero que me vem o desejo de ter uma também.

Viajei durante o natal, e na minha volta não vi mais aquela senhora. Procurei sabe-la e a notícia foi cruel. Ela faleceu em plena véspera de natal. Problemas de pneumonia levaram-na para cuidar dos jardins de Deus. Agora daqui sob a vigilância dos meus olhos estão às plantinhas solitárias; parece que estão esquecidas, órfãs sem água, sem adubo, sem o carinho da protetora. E eu de cá, num silêncio mudo, embora não soubesse sequer o nome daquela senhora, posso sentir o vazio que ela deixou; e nesse sentimento faço a minha reflexão buscando entender os mistérios da vida. Que Deus a tenha, minha ilustre desconhecida!

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos



Nenhum comentário: