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domingo, 11 de janeiro de 2015

DA JANELA DO MEU APARTAMENTO.


A minha morada está instalada num apartamento padrão, sendo uma suíte, tres quartos, salas de jantar e estar, cozinha, área de serviço e dispensa. Somos uma família de tempos diferentes, eu, a mulher e a filha temos naturalmente um conflito de gerações porque contamos 28, 59 e 76 anos. Contudo isso vem a ser bem administrado; cada um tem o seu computador, a sua televisão e o seu lugar preferido dentro da residência. Eu fico maior parte do tempo no quarto de hospedes sala onde posso ouvir os meus boleros, navegar na internet e me concentrar numa leitura.  A minha filha, chegada num sertanejo universitário, ouve as suas músicas lá no seu quarto na área dos fundos. E a mulher corre todos os pontos sem ter preferência.  

Quando debruço em minha janela sinto-me acomodar num camarote de um grande teatro de um extenso palco onde se desenrola grandes variedades da vida real.  É como se eu estivesse num ponto privilegiado e o proscênio estivesse abrindo os meus olhos... Um ponto onde eu poderia contar até os focos das lâmpadas da ribalta.

Um aposentado como eu aproxima-se a toda hora da janela. Principalmente quando ouve um barulho qualquer. Eu que moro no terceiro andar dou notícia de tudo que se passa a duzentos metros para baixo, duzentos para cima na rua e particularmente aqui no meu caso que tenho de frente um arranha céu, fico sabendo de muita coisa que se passa olhando para cima.

A cidade aos domingos amanhece morta em comparação com os dias da semana. Hoje, de manhã bem cedo, após uma noite de calor infernal, levanto-me e depois de esquentar os meus ovos e tirar o meu jejum, é hora de abrir a janela e bispar a rua apenas para conferir o “paradeiro”.
 Atendendo a curiosidade dos meus olhos, após dar uma olhada saudosista lá pelo apartamento da vizinha que morreu recentemente e deixou as suas  plantinhas órfãs,  surpreendo-me vendo uma mulher caída ou deitada, debaixo de uma quaresmeira que existe de frente com a minha janela, na margem oposta da rua. E mexendo com a mulher no chão estão duas outras mulheres tentando reanima-la.

Sabe-se que aposentado quando vê uma coisa dessas sai correndo com a intenção de se sentir útil. Imediatamente me livrei do pijama, já tomei de um copo de água com açúcar, desci as escadas quase correndo e cheguei ao lugar onde a mulher estava deitada. Eu que a imaginara morta vejo agora que está viva, pois respira ofegantemente. Estaria desmaiada ou extremamente bêbada. Tentei reanima-la com a ajuda das duas outras pessoas e mais outros que se aproximaram, mas nada. A mulher não conseguia sair daquela síncope da qual a gente não sabia se era um colapso, uma embriaguez, um ataque epilético etc. Alguém já tentava ligar para o SAMU, e apesar da hora começava a juntar gente. 

E eu ali, um aposentado imbuído no espírito de escoteiro, se sentindo inteiramente útil ao próximo, presidindo e administrando, comandando e interferindo, com a vida daquela mulher de uns quarenta e poucos anos, mulata, meio gorda de cabelos crespos amarelados, batom vermelho e vestido curto listrado. 

E quando ela deu uma balbuciada, eu, carinhosamente, fui tentar faze-la tomar água com açúcar, e foi quando, para a minha surpresa e dos demais presentes, essa mulher com uma voz pastosa de bêbada, usando do seu rompante um tanto rouco e grosseiro, diz com todas as letras:
 “Sai de mim viado e me deixa em paz”!

Enfiei o rabo no meio das pernas e com um sorriso sem graça para os presentes, saí... Sai calado, caladinho da silva, brigando comigo mesmo: Quem mandou você mexer com quem estava quieto seu viado!? Não é assim que se diz? Vê se aprende seu aposentado de merda a não sair mais do seu  camarote, da sua janela, e vir dar uma de ator da vida real. Quem entra sem ser chamado vira viado! Bem feito!!!

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.


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