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sábado, 28 de dezembro de 2013

HENRIQUE O BUFÃO..

Foto para ilustraçãoF do texto.


O ESTAFETA BUFÃO.

 

Quando me encontro em Candeias, observo sempre o quanto às coisas mudaram em comparação ao meu tempo de menino. Ao passar pela Rua Coronel João Afonso, minha memória retrata algum fato que me leva a um passado distante. Num tempo em que Juntava o atraso em que o mundo ainda se encontrava com a falta de expectativa vivida por Candeias. A bem da verdade vive até hoje, mas naquela época, sem dúvida, era bem pior. Não havia os meios de comunicação atuais. O transporte era precário. A saúde do povo deixava muito a desejar. A educação em Candeias era só o primário... Vivíamos a era da autodidaxia. Somente os mais aquinhoados conseguiam se formar. Enfim, o mundo era mais atrasado e o povo brasileiro era bem mais pobre.

 

Verifica-se que o mundo progrediu muito foi nos últimos cinquenta anos. O meio de transporte dificultava muito a vida das pessoas. Uma viagem, por exemplo, de Candeias à Formiga demorava mais de duas horas se o trem cumprisse o horário normal. Mas isso era muito difícil. Raramente andava na hora certa. Além do mais o desconforto naqueles trens, então chamados de “Maria Fumaça”, causados pela fumaça e o carvão procedentes da caldeira dessas locomotivas deixavam os passageiros parecidos com porteiros de hulheira. Era terrível... Os viajantes usavam, naquele tempo, os tais guarda-pós, um tipo de jaleco para se proteger da fumaça e da fuligem, e, nas jardineiras para se proteger da poeira.

 

O transporte rodoviário contava apenas com uma pequena jardineira do Antonio do Eurides, irmão do Euridinho, casado com a Luci do Zé Chorão. Era um pequeno coletivo cuja lotação não superava a conta das quinze pessoas; e fazia a linha Campo Belo Formiga, passando pela usina do Bonaccorsi, Baiões, etc. Telefone não havia. Só se via esses aparelhos nos filmes americanos. Televisão? Se alguém contasse que teria visto uma televisão era questionado com toda minudência. Meu avô esteve em São Paulo, no ano de 1954, quando foi fazer uma cirurgia, e voltou de lá contando que havia visto uma televisão no Hospital e com isso teve assunto por muito tempo. Dizia ele que os internados do interior olhavam atrás da televisão... Atrás da parede, a fim de decifrar o mistério da coisa.

 

E nesse cenário de vida, havia os estafetas e mandaletes. Eu mesmo fui mandalete. Entreguei carta em fazendas, quando menino, para ganhar uns trocados. Era a única forma de um roceiro receber uma correspondência da cidade. Não havia caminhões leiteiros e nem o transito que existe hoje. O homem do campo ficava mês sem vir à cidade. E o meio de transporte eram cavalos, burros etc. Muitos ficavam até um ano sem vir na paróquia e vinham apenas em época de semana santa. ---Assim sendo quero relembrar aqui o estafeta particular: HENRIQUE SOTERO.

 

 Este homem conhecia todas as cidades ao redor de Candeias pelos seus serviços de entrega de encomendas e cartas. Ia sempre a Oliveira levar cartas e encomendas para o Bispo a mando do Monsenhor Castro, então, Padre Joaquim. Itapecerica, Camacho, Cristais, São Francisco e muitas outras localidades onde não havia transporte direto, ia lá o Henrique, montado em sua bicicleta Phillips ou a pé empurrando o seu carrinho de mão. Quando a encomenda era com urgência, ele viajava a noite inteira. Não tinha medo. Vivia bazofiando-se da sua coragem e da competência para entregar uma encomenda. Era o Sedex da época. Os serviços do correio não eram confiáveis.

 

 O Henrique Sotero morava apenas com a sua mulher Maria e o cachorro Lírio. Era um animal mestiço. Uma espécie de cão de fila com perdigueiro; amarelado e trazia pendurado no pescoço um pequeno cincerro Esse cachorro era o filho, o neto, o sobrinho, enfim: o Lírio era tratado como se fosse prole daquela família. Comia no prato – dentro da cozinha – como se fosse gente. Era tratado de “fifio” pela mulher do Henrique, “Maria do Rique” como era chamada. ”Quando o Lírio morreu, houve cerimonial fúnebre. Chegaram a pensar em enterrá-lo no cemitério, como isso foi impossível, fizeram para ele um túmulo no fundo do quintal e sobre o qual cravaram uma cruz. A cruz... símbolo da remissão do pecador cristão que ocupa o primeiro lugar na escala evolutiva da zoologia, ou seja, o homem... Ali colocada sobre a cova de um irracional de propriedade de um casal tipo herege sabeliano. Com persignação e tudo mais que um animal racional por vezes não tem. (Durma-se com um barulho desses)

 

Morador a quatro casas abaixo da minha, ficava normalmente de cócoras na porta de sua casa. Como ele não tinha filhos, gostava muito da meninada. Na minha rua e no quarteirão, havia muitos meninos: Zé Branco, Tião Babão, Zé, Chico, Tião, Vicente e Bento, todos do Arlindo Arlindo Barrilinho, Ademir do Erasto, Vicente do Tio João e muitos outros que no momento me falha a memória. Se somar todos dá uma verdadeira platéia para um espetáculo de circo. Isso é o que acontecia constantemente na porta da casa do Henrique Sotero que era um verdadeiro bufão. E a sua grande fama era de peidorreiro. Estava sempre a dizer: --- Certa vez dei quarenta peidos --- À tarde, na porta de sua casa, via-se sempre uma aglomeração de crianças da vizinhança. E ele apesar de não ter a cara muito boa era muito engraçado. Gostava de fazer perguntas para a meninada. Contar mentiras como, por exemplo: falar que tinha sido grande jogador de futebol e que teria voado de avião o qual teria caído e apenas ele se salvado... Que já teria sido artista de circo. Fazia algumas mágicas cujos truques eram percebíveis pela garotada. Mas o forte dele era peidar ruidosamente ali na porta da rua, passasse quem passasse por ali.

 

 As mulheres sempre iam pelo outro lado da rua para não passar pelo vexame de vê-lo soltar as suas ostentações ruidosas, ou seja, os seus flatos sonoros de forma descarada fazendo com que a pessoa ficasse numa situação de constrangimento. Mas, com a meninada era diferente. Ele se punha de pé à sua porta e os meninos logo gritavam: “Sô Henrique e os peidos?” – E ele dizia mostrando os seus dois dentes de ouro: --- Ôceis gosta de peido hem cambada de cambuquira!---. Começava o espetáculo e ele já dizia apontando o dedo indicador: -- Esse menino grandão ai, esse é procê: PUNNNNNNNNNNNNN – Agora vai um para esse menino piquitito ai: apontava o dedo indicador e: PIUNNNIIIINNNN. Conforme era o tamanho do menino era o tamanho do peido. Parecia que tinha uma corneta acoplada ao ânus.. Soltava um para cada menino. E se a Maria, mulher dele, chegasse por perto e falasse alguma coisa ele dizia: esse é procê Maria: PUNHINFUINNNNNNNNNNNNN. E a Maria saia depressa dali. Ai é que a coisa ficava mesmo engraçada e a meninada quase morria de tanto rir. Ele não ria e fazia isso com a cara fechada “No finalzinho falava: Agora turma de cambuquira lá vai o miado do gato: PUNHHHHHHHHHHAAAAAAAAAAAAAAAAAUUUUUUUUUUUUU!!!

 

 Certa vez, a Neli Furtado, então freguesa do Vicente Vilela, próximo dali, ia passando quando o Henrique soltou um fumegante em forma de toque de corneta.. E ela com os seus sapatos de salto alto, numa rua então sem calçamento, ao adiantar o passo para fugir do vexame, ia caindo de solavanco e foi salva pelo Geraldo do Orcilino que estava próximo e a salvou de uma vergonha maior. E nessa hora o Henrique não ficou sem fazer o seu comentário sucinto:“Viu só? A muié virou um peido”.E ela nunca mais se transitou pela porta do Estafeta Bufão.

 

 Era muito bom ser uma cambuquira


Armando Melo de Castro


 

 

 


quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

MEU IDOLO NILTON SANTOS.


Nilton Santos

Tecnicamente, eu entendo muito pouco sobre futebol. Para que eu pudesse confirmar a existência de um impedimento, por exemplo, seria necessário que os jogadores parassem por um momento em suas posições. Eu sou daqueles que vê o bandeirinha, mas, que não vê o árbitro. Vejo o jogador, entretanto, não vejo a falta. Vejo a cor da camisa, todavia, não vejo o número. Sei se o jogador é negro ou branco. Contudo, não consigo dar um grito na hora de um gol, mesmo que seja da seleção brasileira.

Ao começar a assistir um jogo de futebol que não seja do Botafogo, pela televisão, saio, vou à cozinha procurar algo para comer e, às vezes, até esqueço do jogo. Não gosto de ir aos estádios. Constato que o ser humano vira um bicho, um animal irracional quando entra em um estádio de futebol. Penso nisso desde quando vi um professor, muito educado, perder toda a educação dentro de um estádio; já vi um padre perder a compostura; já presenciei um machão sair correndo com muito medo após uma áspera discussão e até um gay virar macho, botando para quebrar. Vi todas essas pessoas se transformarem dentro de um campo de futebol, gritando e falando coisas que jamais falariam fora dali.

Porém, com toda essa ignorância futebolística, eu posso dizer que gosto muito do esporte. A experiência me mostrou que as pessoas se tornam torcedores de um time quando criança. A gente aprende a gostar de futebol é no verdor dos anos. É raro ver uma pessoa falar que não gosta sequer um pouco, um pouquinho de futebol. E se isso acontece, pode-se atestar que essa pessoa não teve qualquer convivência com esse esporte em sua infância, tratando-se, assim, de alguém com um comportamento fora dos padrões normais, eu diria do padrão nacional.

O futebol é paixão, é emoção, é vitória e, obviamente, é derrota. É alegria e tristeza; é amor e ódio. O futebol é uma cervejinha gelada, é uma dose de cachaça, é um grito de alegria e é uma lágrima de tristeza. Futebol é fanatismo, é doença; é um coração embalado sem medo de parar e é uma vontade de matar ou de beijar. Futebol é uma brincadeira para todas as idades.

Antes de 1958, o único contato que eu tinha com o futebol era através do meu querido Rio Branco Futebol Clube de Candeias. Era o time cujo estádio ficava próximo a minha casa, na Rua Coronel João Afonso. Meu pai foi jogador desse clube e eu nasci convivendo com ele. O Rio Branco foi o primeiro momento do futebol com o qual convivi. Ele entrou pelos meus olhos, foi para o coração e lá se encontra até hoje. Apesar do time ainda existir com um estádio bem arrumado e bem colocado, contudo, é praticamente inoperante. Mas, isso já me faz feliz porque alimenta, constantemente, as minhas lembranças.

A partir de 1958, com a vitória da Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Suécia, o futebol brasileiro teve um impulso muito grande, principalmente, ao exterminar o triste complexo de vira-latas definido, assim, por Nélson Rodrigues na traumática derrota, em 1950, na primeira Copa do Mundo disputada em solo brasileiro. Após a vitória na Suécia, houve, na minha rua, uma febre da meninada para comprar os álbuns de figurinhas que surgiam naquele momento. Os times que forneceram jogadores para a seleção, com certeza, ganharam muitos torcedores mirins.

Na década de 50 e início de 60, o Botafogo atravessava a chamada fase de ouro. Era o time que mais fornecia jogadores para a Seleção brasileira. Garrincha, Nilton Santos, Didi, Manga, Quarentinha, Paulo Valentim, Carlos Roberto, Roberto Miranda, Gerson, Jairzinho, Zagalo, Amarildo, Sebastião Leônidas, Paulo César Caju, Rogério, sem esquecer que Garrincha, Nilton Santos e Didi eram considerados incontestáveis gênios do futebol.

Nesta minha ignorância futebolística, e considerando também, a constante alteração tática das equipes, eu misturo as posições dos jogadores e confesso que mal consigo me lembrar das posições dos jogadores pentacampeões. Todavia, existem duas posições de dois jogadores que eu jamais esquecerei. A posição de ponta direita, apesar de extinta, deveria ter sido mudada para “Garrincha” e a de lateral esquerda para “Nilton Santos”. A crônica mundial afirma que os dois foram os melhores do mundo nas suas posições. Quaisquer pesquisas provam e comprovam, a quem se interessar e quiser tirar a dúvida: Garrincha, “A alegria do Povo” e Nilton Santos, “ A enciclopédia do futebol” foram os melhores do mundo, nas suas posições, em todos os tempos. Foram eles os dois jogadores que mais vestiram a camisa do Botafogo. Nilton Santos, 721 vezes e Garrincha, 612.
E é por isso que coloquei o Botafogo dentro do meu coração. Eu não sou fanático. Se o Botafogo for para a segunda, terceira, quarta, quinta, até sexta divisão, caso existisse, eu iria junto, assim como fui junto para a várzea futebolística de Candeias com o Rio Branco.

Semana passada, um dos meus ídolos foi para o céu, junto de Deus. Uma das maiores figuras de todos os tempos do futebol mundial. Aquele que revolucionou a sua posição em campo. Nilton Santos morreu aos 88 anos. O Brasil ficou, mais uma vez, mais pobre de gênios. Os botafoguenses históricos estão chorando a sua morte. Concluo que, realmente, eu não gosto muito de futebol. Acho que eu gosto mesmo é do Botafogo e de sua riquíssima história. Talvez, eu seja o mais humilde de todos os torcedores do Botafogo, entretanto, quero render, também, a minha simples homenagem a ele.

Creio que não vou lamentar a morte do Nilton Santos cujo nome exaltei a vida inteira. Quero apenas felicitá-lo pelas alegrias que deu ao povo brasileiro com a arte de seu futebol, pela dignidade com que serviu ao esporte e, com certeza, estará lá no céu no mesmo aposento que o seu colega, amigo e compadre, Mané Garrincha. E, nesta oportunidade, tão relevante para mim, dou-me o direito de roubar uma frase da crônica de Carlos Drumond de Andrade feita para Garrincha, por ocasião de sua morte, em 1983: 

Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus é, sobretudo, irônico e farsante e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um Deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo que nos alimente o sonho.

“Não há outro Nilton Santos disponível, precisa-se de um novo que nos alimente o sonho.”

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos