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quinta-feira, 26 de julho de 2012

UM BANHO DE BARBATIMÃO.

 Barbatimão
O carvão vegetal, obtido com a queima da madeira, é uma das fontes de energia mais usadas. O Brasil é responsável por quarenta por cento da produção mundial de carvão. No consumo doméstico, é usado para aquecer churrasqueiras, fogões ou lareiras. Na indústria, o carvão vegetal é usado como combustível. Pode ser, também, usado como um produto medicinal. Para tal é extraído de uma forma diferente, um tipo de queima incompleta em que se usam madeiras isentas de resina. É o chamado carvão ativado com poderes fototerápicos.

Atualmente, os defensores e a consciência do meio ambiente vêm combatendo, assiduamente, a produção de carvão vegetal. De outra forma, as leis atuais têm rigoroso controle sobre a produção desse tipo de combustível porque ele é um devastador da natureza. Nos dias de hoje, quase já não se produz carvão com madeiras nativas e sim com o plantio de eucalipto.

Antigamente, quando não havia o gás de cozinha, a lenha era usada nos fogões e o corte de madeira não tinha nenhum controle. Em Candeias havia grande produção de dormentes, lenha e carvão para sustentar a ferrovia. Sendo o carvão vegetal um tipo de coque, tinha dupla serventia nas siderurgias de ferro-gusa.

Com o aumento dessas indústrias, na vizinha cidade de Divinópolis, o carvão passou a ser uma grande fonte de renda na região. Existiam muitas das chamadas carvoeiras, com a construção de enormes fornos e picadas de matas e cerrados até que chegaram o gás de cozinha, o óleo diesel para as máquinas e as leis para inibir o desmatamento desenfreado. Havia quem comprasse todo um terreno com o objetivo de tirar a lenha, sem nenhuma obrigação de reflorestamento ou se havia, não era cumprido.

Nesse clima, aparece, em Candeias, o João Carvoeiro, entre outros, que aqui vieram para explorar o comércio de carvão vegetal. João era um cidadão de porte médio, contando uns quarenta anos de idade, mais ou menos. Boca grande e cheia de dentes, nariz empinado, cabelo amarelado, barba mal feita, cabeça coberta por um chapéu de aba larga, surrado pelo sol e pela chuva. Ficava a semana toda lá pelos lados do Bugio e chegava a sua casa aos sábados, à tarde, montado em um cavalo pangaré que ficava, quase sempre, amarrado à porta de sua casa, na Praça Geraldo Cândido da Costa. Às vezes, seu cavalo era visto pastando ali por perto o capim-marmelada muito abundante nas ruas de Candeias quando essas não tinham calçamento.

João chegava cheirando o suor misturado com carvão de uma semana toda. Tomava o seu banho de sábado, trocava de roupa e ficava parecendo outra pessoa. Quando entrava na venda, saía somente na hora que esta estivesse para fechar e quando já se encontrava bem turbinado. Bebia e pagava para os outros. Portanto, onde ele estava era vista, também, a turma do serrote. Aos domingos, logo de manhã, já começava a mamar o leite que gato não bebe. E não havia ninguém mais chato, mais abominado, mais rançoso, mais aborrecível, do que ele!... Aguentar o João Carvoeiro tonto era um martírio para qualquer dono de bar. Entretanto, ele gastava e gastando os donos de botecos toleram quaisquer gambás.

Pai de duas mocinhas adolescentes. Ambas bonitas e parecidas com a mãe, uma mulata gostosa e vistosa que esticava o olho de muito homem por onde passava. O Antonio do Orcilino, açougueiro, que era um garanhão das ruas de baixo, ficava feito um faisão enfeitado quando ela chegava com a sua voz doce, macia e dizia: “Sô Antonio, eu vou querer uma capinha de costela”. E o Antonio, com aquele seu olhar sorrateiro, quase sentia um orgasmo e, quando ela saía, ele dizia suspirando: “Ê, Muié! Minha vontade era de te dá a minha custela todinha procê mordê!”. Os demais homens presentes olhavam com a testa e lambiam com os olhos.

João chegava a sua casa nas tardes de sábado. Tomava banho e logo saía. Entrava em um bar e bebia até se embriagar. No outro dia, de manhã, voltava para o bar, bebia, até na hora do almoço. Almoçava e logo pegava o cavalo e voltava para a sua carvoeira. Nessas alturas do campeonato, deixava uma mulher bonita, carente de carinho, carente de amor, e por que não dizer carente de sexo? E havia quem dizia: “Essa mulher é um bife na boca de um cachorro”.

Até que um dia, João Carvoeiro, talvez desconfiado, chegou de madrugada a sua casa quando flagrou um cidadão fazendo as honras da sua cama. Era o Gentil de Souza, conhecido como o consolador das mulheres carentes. E aí, o pau comeu. Gentil teve que sair correndo daquele local enquanto João tentava carregar uma espingardinha pela boca do cano.

A mulher foi dispensada da família sobre uma saraivada de palavrões, mas continuou dentro de casa. E mais tarde, lá no bar do Edmundo Simões, o João comentava:

----Agora, ocêis vê qui disaforo. Eu trabaiano feito um burro lá no mato e a mula sorta aqui na cidade. Pra mim a vaca negava o buraco da cobra. Aí, eu discunfiei. Eu num sô bobo.... Antes, ela vivia no cio. Chegava a me atentá. Agora, ficava fazeno cudoce! Eu num sô bobo. Eu fiquei mais discunfiado foi dispois que me pidiu uma casca de barbatimão. Aí, eu fiquei cabrero e pensei: tem boi na linha. Essa égua tá quereno agradá o jumento com um banhozinho de barbatimão! Pra mim nunca teve barbatimão!... Se eu num tô cumeno a fruta, vai lavá e apertá ela pra quem?!, Uai!Pensei cumigo: Esse trem tá muito isquisito e fiquei pensano!!!???? Eu pego essa cadela!...E pegueiiiiiiii!

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos
























terça-feira, 24 de julho de 2012

A VIDA E A MORTE

                          Parte da equipe de enfermagem            
É noite. Encontro-me no Hospital Nossa Senhora Aparecida na cidade de Luz. Estou junto de minha mulher que acompanha ansiosa o estado de saúde de sua avó, Elza Silva Vieira, hospitalizada em estado grave no apartamento 119. A paciente sofre. Ela grita fazendo uma corruptela com o nome de sua filha, Áurea e a palavra ai... “Aureai!” Aureai! E isso se repete. Daí a pouco, a porta se abre cautelosamente com uma descrição quase caridosa e aparecem como dois anjos de branco duas enfermeiras. Elas vêm amenizar a dor daquela paciente que trás no rosto a palidez de uma vida presa por um fio. O quadro parece um ringue onde a vida luta contra a morte, desesperadamente. Contudo, nesse quadro de dor já se conhece o vencedor. A ciência já foi vencida. A esperança já não existe e a vida desprotegida, pelos 88 anos, está para receber um nocaute da morte. Resta apenas esperar o desenlace fatal. É triste! É muito triste! Todavia, estão aí os desígnios de Deus. E um quadro desses merece uma reflexão.

É tarde da noite. Ouvem-se passos das enfermeiras nos corredores. Elas vão e vêm. Levam e trazem aquilo que a ciência inventou para enfrentar a morte e aliviar a dor humana. E quando em quando, se escuta um ruído de porta se abrindo. É a portaria recebendo alguém em busca de socorro. Ouve-se, às vezes, um choro quase surdo de uma criança. Resolvo sair um pouco. Vou até ao corredor. Por ali, há uma capela. Alguém chora e reza por alguém. Rezo também. Peço a Mãe de Cristo para dar alívio àquela alma que assisto. Saio, dou uma volta pelo corredor. Vou até à portaria. O porteiro navega pela internet. De repente um chamado. É um peão de rodeio que chega machucado. Trata-se de um jovem que desafiara a morte um pouco antes, na festa de rodeio que acontece na cidade. Penso: Meu Deus! Quantos que lutam pela vida para se salvarem e esse jovem debulhando a sua juventude no lombo de um cavalo bravio?! O quadro me assusta. Volto ao corredor que me leva aos fundos do edifício. A área verde que cerca o hospital tem as suas árvores sossegadas. Parece que os passarinhos pediram silêncio. De longe, o ruído meio apagado da festa de rodeio dá sinal de vida. Enquanto por aqui, tudo parece quase morto.

É madrugada. O sofrimento persiste. É Dona Elza entre a vida e a morte. De novo, abrem-se as portas, vagarosamente, com uma cautela piedosa. São os anjos brancos que estão sempre voltando, trazendo apenas o calor humano, entregando aquilo que o dinheiro não compra em um leito de hospital: amor e piedade. Porque a ciência já desistiu. A vida e a morte ali, agora, estão na balança de Deus. Uma é a medida e a outra é o peso. Agora, o silêncio é maior. Apenas se ouve os passos das enfermeiras indo e vindo, atentas ao sofrimento humano.

Amanhece o dia. O silêncio se foi e veio a inquietação. A cantineira passa distribuindo café nos quartos. Outros passam levando instrumentos hospitalares, roupas, para trocar as camas. Enfermeiras e enfermeiros se cruzam nos corredores. Da capela, sai o Ministro da Eucaristia para fazer o seu trabalho religioso, inclusive, distribuindo o pão sagrado. O médico, Dr. Aristides, examina Dona Elza. Com a lucidez de sua experiência diz: como é forte este coração! E as enfermeiras do turno da noite agora saem com destino às suas casas. Vão descansar para depois voltar e dar continuidade a difícil missão que Deus lhes concedeu.

Hospital N.S.Aparecida - Luz Minas Gerais. 


Através do poema de Ary Bueno, eu quero homenagear todas as enfermeiras lotadas no Hospital Nossa Senhora Aparecida, da cidade de Luz, Estado de Minas Gerais.



O ANJO BRANCO

Em meio ao sofrimento, a tristeza e a dor
Surge um anjo de branco espalhando esperança e amor
Com carinho trata a todos que dela necessita cuidado
Sempre com um sorriso nos lábios, apesar do semblante cansado

Pois às vezes vara noites e noites, cuidando com ternura o paciente
Que devido às dores ao sofrimento, se torna irritado, impaciente
E ela com doçura e educação, procura ao mesmo aliviar sua dor
Aplicando o medicamento com cuidado, com desvelo e com amor

É você, bela enfermeira, que sempre esta prestando socorro ao doente
Está cuidando de todos, evitando que o mal se agrave no paciente
Mesmo com os problemas inerente a toda família sua, que pode estar sofrendo
Ela alivia da forma mais humana e carinhosa, o sofrer de quem está quase morrendo

Nunca esmorece no seu trabalho cotidiano, corre pra lá e pra cá, sem parar
A todos procura medicar na hora certa, e com carinho todo seu trabalho realizar
Por isto que és abençoada por Deus, de quem você com certeza é uma extensão

Pois cabe tantos e tantos doentes, e você com carinho os carrega no coração
E se por acaso algum venha, por força da doença, e do destino a morrer
Você chora, se entristece, e junto com a família também ficas a sofrer

Por isto está profissão, é tão bonita, tão cheia de ternura e de calor
Pois a enfermeira traz dentro de si apenas... RENUNCIA TRABALHO E AMOR.

NB) Dona Elza Silva Vieira faleceu no dia 14 de julho de 2012.

Armando Melo de Castro
Candeias MG casos e acasos



quinta-feira, 19 de julho de 2012

O MEU COLEGA PATAUZINHO.



                                        Foto para ilustração do texto.

No ano de 1953, a minha professora se chamava Maria do Carmo Alvarenga. Era esposa do Sr. Alberto Virgílio Ribeiro, o Tinho do Sô Nico que, naquele tempo, tinha um carro de praça. ---- Era um carro antigo que ficava estacionado à frente de sua casa, na praça, entre a oficina do Nestor e a Casa Celestino Bonaccorsi. -----Naquela época, os nomes das coisas eram diferentes. Matula passou, depois, para merenda. Merenda passou para lanche, como se diz hoje; e carro de praça é, hoje em dia, chamado de táxi. Naturalmente, carro de praça teria sido uma nomenclatura vinda dos tempos das carruagens, quando os veículos eram de tração animal. 

Eu era um menino bobo, só não babava, mas morria de vergonha de tudo e de todos. Quando minha mãe me ordenava a ir buscar algo na loja do Bonaccorsi, eu quase morria só de pensar em encontrar com a Dona Maria do Carmo que estava sempre entrando e saindo daquela loja porque morava ao lado. Tinha, também, medo de que ela chegasse à janela no momento em que eu fosse passando. Então, eu dava a volta, passava defronte o Bar Piloto, e chegava ao comércio do Bonaccorsi do lado contrário. Hoje, quando me lembro disso, eu chego a sentir vergonha de mim mesmo por ter sido tão bobo quando tinha lá os meus 9 anos.

Dona Maria do Carmo foi colega de infância de minha mãe e residia, na cidade de Formiga. Eu a tenho guardada, bem guardada, em minhas memórias. Certa vez, fui visitá-la em sua residência e fiquei muito feliz por encontra-la ainda lúcida, após muitos anos sem vê-la. --Naquele momento me transportei para o ano de 1953, quando teria sido a minha professora, e posteriormente a diretora do meu querido Grupo Escolar Padre Américo, hoje Escola Estadual. Eu tive a oportunidade de contar para ela essas peripécias de um menino bobo.

Era uma pessoa muito agitada e dinâmica. Como naquele tempo, os professores podiam usar da vara para corrigir os alunos, nós, os seus alunos, andávamos em um canto riscado. Se a turma não seguisse a linha que ela traçava, a vara comia e comia de verdade. Era ainda o meu primeiro ano de escola e eu muito bobo, tinha vergonha até mesmo de conversar com os colegas; nunca cheguei a tomar umas lambadas dela. Entretanto, os colegas viviam com o couro quente, e até as meninas que eram poupadas,  de vez em quando eram apalpadas pela vara de D. do Carmo. Mas lá pela frente e também tive o meu coro quente, ai já foram a Dona Zélia Eleutério e a Ana Zélia Melo, de Itapecerica, tia do Zé Arcanjo. O interessante que as professoras que me bateram foram as minhas maiores amigas. 


Eu comecei a tomar varada na escola a partir do terceiro ano, quando já teria perdido a vergonha e entrado para o clube dos bagunceiros, como Renê Ferreira, Titôco, Zé Teixeira, Marli, Tião Babão, Silvio do Juca do Nico, e outros. Esse ano de 1956 foi um bombardeio geral. Praticamente toda a classe foi obrigada a repetir o ano.


Certa vez, durante o recreio, eu fui confundido com o Joel Pacheco e levei a maior surra. O Joel teria dado um murro, no Vicentinho Vilela, e o Vicentinho saiu gritando e chorando.o que lhe fez brotar sangue suficiente para lambrecar a sua camisa de fustão branco. E como eu era parecido com o Joel, eu levei a pior. Apanhando sem saber o porquê; sem ter como devolver as varadas, quando ficou provado que eu era inocente.

Patauzinho, um menino muito pobre. Filho de pobre e numerosa Patau, o pai, vivia fazendo biscates para tratar da sua prole. Fazia qualquer serviço que lhe parecesse à frente. Capinar quintais, furar fossas, ir ao mato buscar lenha em uma carroça, enfim, era um pau para toda obra. Tinha vinte e uma profissões e vinte e duas necessidades.

A esposa do Patau, mãe do Patauzinho, era uma baixinha muito caprichosa. Trazia o seu marido e seus filhos muito limpos, apesar de estarem sempre com roupas remendadas.

Patauzinho era magro, anêmico, tinha a pele esbranquiçada, tostada e colada nos ossos raquíticos. Boca faltando dentes. Um cabelo empastado com uma franja querendo entrar nos olhos. Um nariz torto e um sorriso sem graça. Vivia falando que um dia haveria de ser doutor. E quando alguém lhe perguntava o que seria um doutor, ele dizia logo: “É home rico”

Levava como matula, uma mistura de farinha com açúcar colocada em um embrulho num canto da sua pasta de madeira muito mal feita pelas mãos de seu pai. Durante a aula, quando a fome apertava, ele enfiava os dedos no embrulho e jogava uma pitada da mistura na boca, tentando sempre ludibriar os olhos da fera, Dona Maria do Carmo, que passou a observá-lo, sorrateiramente. E, assim, o quadro estava como o gato vigiando o rato. De repente, quando patauzinho jogava a pitada na boca, Dona do Carmo já estava sobre a sua carteira. O retirou, levantando-o a altura dos seus seios e o jogou no chão, num gesto chamado, à época, de “balão”.

Patauzinho foi direto ao chão e, na queda, bateu com o rosto no piso e, enquanto a turma ria da contenda, Dona do Carmo sai correndo da sala e volta com um copo d’água com açúcar, assenta o Patauzinho em sua cadeira e lhe pergunta se está com dores. Oferece-lhe algo para comer, pede alguém para ir comprar um pão e, quando chega o pão, entrega-o ao Pautauzinho que com a cara melhor do mundo, com o pão na mão, diz:

----O pai falô qui eu tenho lumbriga dimais da conta, Dona do Carmo! E aí, eu fico com medo delas me cumê, se eu num cumê matula.

Armando Melo de Castro

Candeias MG Casos e Acasos 

sexta-feira, 13 de julho de 2012

ERA UMA VEZ A CACHORRINHA QUICA.




O cachorro parece ser o animal que mais se identifica com o homem, em termos de convívio. A cada dia, o cão vem sendo mais amparado e integrado ao meio da família humana.

Quantas e quantas vezes, eu pude ver uma madama conversar com o seu cãozinho e dizer: "Filhinho, vem aqui, na mamãe!". E, normalmente, tratam-se essas senhoras de mães sem filhos. Apegam-se ao animal de tal forma que passam a considerá-los como verdadeiros filhos. Eu fico, às vezes, pensando como pode uma coisa dessas. Por que não adotar um filho ao invés de um animal? Parece até que o cachorro substitui o homem apesar de não existir, entre ambos, nenhuma semelhança.

O focinho de um cachorro é gelado e úmido. E isso se explica porque ele não sua como nós. Portanto, ele sente muito calor. O cachorro está sempre ofegante. A rapidez da respiração lhe dá um alívio do calor através da evaporação pelo nariz.

O faro de um cachorro é incomparável. Enquanto 0 homem conta com cinco milhões de células olfativas, o cachorro tem mais de duzentos milhões delas.

Eu acho que é uma incoerência chamar algum humano de cachorro para qualificá-lo como errado ou sem vergonha.

Minha mãe tem uma família de seis filhos, dezesseis netos, dez bisnetos, um trineto e um cachorro. Alguém dirá que cachorro é cachorro e não é gente para ser considerado da família. Entretanto, quem tem um cachorro em casa jamais dirá isso e sustentará que o cachorro faz parte da família sim.

No princípio da década de 60, esteve residindo na Rua Vereador José Hilário da Silva, na casa onde reside atualmente a família do João Alemão, um cabo da Polícia Militar, então comandante do destacamento de Candeias. Naquele tempo, este destacamento era formado por apenas um cabo e dois soldados.

Fazia parte da família do militar uma pequena cachorra que atendia pelo nome de "Quica". A cachorrinha sem raça, melhor dizendo, era uma vira-lata de cor parda, com orelhas grandes e focinho comprido, tendo uma grande mancha preta na cara. Na rua, não havia quem não conhecesse a cachorra do cabo.

A Igreja Matriz, no tempo do Monsenhor Castro, era dividida ao meio através de duas grandes cancelas em suas naves. A parte da frente era destinada aos homens. E a parte de trás, às mulheres. Portanto, os homens saíam pelas portas laterais e as mulheres, pela porta principal. Não se misturavam homens com mulheres lá dentro da igreja. Isso quer dizer que um casal não assistia um missa juntos.

Imaginemos, há cinquenta anos, o término de uma missa dominical no horário das 10 horas da manhã! Era muita gente.

Ao terminar a missa, bem defronte à porta principal, havia um grande número de cachorros rodeando uma cadela no cio sendo acoplada, enfalada, penetrada por um enorme cachorro do tipo perdigueiro e que teria imposto respeito pelo seu tamanho diante dos outros candidatos àquele congresso sexual, ou melhor, aquela suruba canina.

As senhoras com suas almas lavadas, comungadas, imaculadas, ao sair se deparam com aquele quadro vergonhoso, pecaminoso para quem ainda sentia a fluidificação e o hálito do pão sagrado.

Diante daquele quadro, ouve-se um grito:

---"Quica!!!" O quê que é isso minha, fifia! Larga disso!

Era uma senh0ra baixa e gorda, morena de cabelos lisos em coque, cara fechada, uma voz forte, contando com uns 50 anos, mais ou menos. Era a esposa do cabo e dona da cadela. E continuou:

"Quica"! Vem cá! "Quicaaaaaaaaaaaaaa!!!"

Desesperada, a mulher se envolve no meio dos cachorros e dá um chute naquele que abusava da sua querida "Quica". Consequentemente, a manada se dispersa e o cachorrão sai arrastando a pequena "Quica", dependurada no seu engate.

Enquanto a dona da "Quica' corria, pedindo socorro para ela, as outras senhoras saíam como se não estivessem vendo nada, olhando para os lados contrários. E os homens apreciavam o espetáculo e comentavam.----- Posso ainda me lembrar de um comentário sucinto do Sebastião Redondo, antigo dono da mercearia, hoje, de propriedade do Divino:

---Bichinho safadinho é o tal de cachorro né?

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O VENDEDOR DE BROAS.

BROA DE AMENDOIM.


A broa é um alimento difícil de ser definido. Em cada ponto do Brasil, é conhecida por nomes diferentes. Para uns, é pão redondo; para outros, é um tipo de biscoito. Há quem diga que a broa é um bolinho. Em Candeias, a broa é considerada uma espécie de quitanda e pode ser encontrada entre várias receitas de sal ou de doce. Qualquer quitanda que seja do formato de uma bolacha redonda pode ser chamada de broa.

 O dicionário do Aurélio define a broa como pão arredondado, feito de fubá de milho ou de arroz, de cará, de polvilho, etc. e ainda como uma pessoa gorducha. No dicionário chulo, há quem diz que broa é sinônimo da vulva feminina.

Em Candeias, pode ser encontrado com facilidade um tipo de broa não muito comum no mercado. É a broa de amendoim. Eu, por exemplo, nunca a vi em padarias de outros lugares. Não conheço a receita, sei apenas que é muito gostosa e tradicional nas padarias e quitandeiras candeenses.

No meu tempo de criança, não havia calçamento e nem jardins no centro da cidade. Uma linha de postes de iluminação pública cortava o chamado Largo. E, no local onde se encontra, atualmente, o coreto havia um poste com duas luminárias. Ali, era o ponto vigoroso da cidade, principalmente, nos fins de semana, com as atividades da igreja, dos dois bares que existia (um no sobrado da esquina e o outro ao lado do cinema). Normalmente, nos fins de semana, havia duas sessões de cinema no Cine Círculo Operário São José. Naquele tempo, não existia a televisão e poucos eram os rádios. Sair à tarde e ir para o Largo era um hábito de grande parte da população.

Debaixo do poste, acima citado, estava sempre um senhor magro com rosto miúdo, de chapéu de lebre, camisa surrada, mas, bem cuidada, abotoada até ao colarinho que escondia o gogó. Um bigodinho fino orlando o lábio superior, rosto bem escanhoado, vestindo calças bem frisadas e com as botinas bem engraxadas. Sob a luz do poste, aguardava os fregueses que vinham lhe comprar as famosas broas de amendoim que eram feitas por sua esposa. Em suas mãos, estava o tabuleiro cheio de broas, cobertas por uma toalha bem alvejada, demonstrando, pelo porte do produto e do vendedor, um extremo capricho e asseio pela esposa daquele homem.

Entretanto, mais do que a qualidade das broas e a higiene da esposa do quitandeiro, ênfase maior havia de ser observada na postura daquele cidadão humilde, no seu jeito de trabalhar. Gostava de falar ao pé da letra e, diante da sua simploriedade, a rapaziada nadava e rolava, colocando maldade no seu palavreado. Sem, contudo, deixar de comprar o delicioso produto. Todavia, havia sempre alguém puxando a conversa:

----Como vai o senhor, Sô Juca?
----Na paz de Deus Pai, Deus Filho, vou bem, obrigado!
----E a patroa? Como vai?
----Com aquelas coisas de mulher, mas, felizmente, vamos levando na Graça de Deus Pai e Deus Filho.
----Tem vendido muitas broas?
----Sim, na Graça de Deus Pai e de Deus Filho, tenho vendido todas. Tenho voltado sempre para casa com o tabuleiro vazio.
----É o senhor mesmo que faz essas delícias?
----Não, senhor! Essas deliciosas broas são obradas pela minha senhora. Ela aprendeu com a minha sogra e a minha sogra aprendeu com a mãe dela. A fabricação de broas na família de minha mulher vem de longe. Todos nós somos chegados a uma boa broa.
---Faz muito tempo que o senhor vende a broa da patroa?
---Desde que vim para Candeias. Há uns dois anos, mais ou menos. E, Graças a Deus Pai e a Deus Filho, eu suponho que grande parte do povo candeense já conhece a deliciosa broa da minha mulher.

Zé da Zenóbia, irmão do Mozar da Padaria, pai do Bola, era rapaz novo e um dia estava com umas pingas na cabeça e tomou um papo com o Sô Juca:

---Oia, aqui, Sô Juca! Eu quero comer a broa da sua muié é lá na sua casa! Cumé qui fica?!

---Como é que fica?Vai ser o maior prazer servir o senhor na minha residência! Agora, escuta aqui, Sô Zé, acredito que o senhor não está falando com má intenção, não é? Um dia desses esteve aqui um filho de mulher da vida, um desses filhos que não conheceram o pai... e na conversa ele misturou broa com babaca. Acontece que a minha esposa é uma senhora de respeito! E aquele que faltar com o respeito com ela eu o entrego de mão beijada para o diabo, lá nos quintos dos infernos.

E o Zé, meio assustado, e com uma voz meio pastosa disse logo:

---Que isso, Sô Juca?! Eu to é brincano. Eu nunca cumi broa não. Meu irmão tem padaria e eu num guento nem vê o chero de broa .Agora, babaca! Eu nem sei o que é isso!?
---Então, o senhor está apenas me atordoando?!... To Vendo!...

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos