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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

UMA CARTA MEDIÚNICA



CARTA MEDIÚNICA  AO MEU AMIGO E COMPADRE WANDERLEY ALVARENGA.

Prezado compadre:

Como a gente não conhece os lugares para onde nós vamos depois da morte, eu suponho que você esteja no céu. ----- Eu sei que você andou brigando e falando bobagens com Jesus Cristo, quando estava aqui na terra, mas sei também que Jesus perdoa e já deve tê-lo perdoado.  ------ Esta é uma carta espiritual que você vai lê-la à medida que a escrevo em estado mediúnico. Não é uma carta postal daquelas usadas nos nossos tempos, quando entregava ao correio e já começava a esperar a resposta demorada.

Vamos, portanto, recordar um pouco do nosso tempo, quando você saiu quase chorando para ir procurar trabalho em Brasília; lembrar do barzinho no prédio do cinema e das suas namoradas das quais você não firmava com nenhuma, pois todas tinha um defeito, até que você conquistou a comadre Aparecida e tiveram o primeiro filho, Christian, para o qual eu honrosamente fui convidado para padrinho, para quem peço as bênçãos de Deus.

Você se lembra querido Ley de quando você foi para Brasília. Eu morrendo de inveja de ver você partir e você invejado de me ver ficar. Eu com os meus 17 anos e você lá com os seus 27. Tínhamos uma diferença de dez anos, mas éramos dois adolescentes. Naquele tempo a adolescência em Candeias durava mais.

Você me escreveu aquela carta dramática? Aquela carta que você começou assim:
“Parece Armando, que a distância se compraz em judiar com a gente. Atravesso a avenida com o coração espedaçado pela angústia e pela saudade de minha querida terra a minha amada, Candeias!” --- Lembro-me que fui correndo olhar no dicionário o que era a palavra “compraz” e ainda fiquei pensando: o meu amigo Ley está ouvindo muito discurso de deputado lá em Brasília.

Como você gostava de Candeias Ley... Nas suas diversas saídas na busca do futuro lá fora, não conseguiu se fixar em lugar nenhum fora de Candeias, e a nossa terra naquele tempo fazia penar quem ficava e chorar quem saia.

Anos depois você com um pequeno capital abriu um barzinho na lojinha da entrada do cinema.  Hoje, quando eu dava uma volta pelas gavetas das minhas memórias, eu estive assentado num banco da praça, bem defronte ao cinema onde você teria recentemente inaugurado o barzinho. Naquele lugar que, por tantas vezes juntos, em uma época tão remota, mas, tão doce, tão presente, eu contando os meus vinte anos já morando fora e você com os seus trinta, você me disse todo feliz numa alusão à abertura do boteco:
 “Armando, as mulheres são muito interesseiras! Só por causa dessa meia dúzia de garrafas na prateleira, já estou cheio de pretendentes.”

Você gostava de palavras diferentes, gostava de fazer versos e frases; adorava ler dicionários. Quando você via uma palavra diferente, já a tomava para incluir no seu vocabulário. Às vezes as empregava mal, mas isso não vinha ao caso, porque quem as ouvia nem sempre também as entendia.

 E uma coisa que você gostava era quando alguém lhe perguntava o significado de certa palavra. Você explicava tal qual um professor. ---- Aconchegar, olvidar, marital, admoestação, píncaro, âmago, são algumas das palavras que me lembro, entre outras, que você estava sempre arrumando um jeitinho de emprega-las na sua conversa.

Certa vez, o Zé Moreira discutindo com você lhe disse que você vivia iscrafunchando a vida dos outros e você para lhe dar o troco disse:
“Não! Eu não “iscrafuncho”, eu escarafuncho.”.

Outra coisa que eu nunca me esqueci, foi o dia que o Ênio Bonaccorsi comeu todos os pedaços de doce que existiam em um prato na vitrina do seu boteco. Quando ele saiu, você deu com a língua nos dentes e disse para nós, os outros fregueses:
“O Ênio está se transformando num grande glutã.” Foi quando alguém lhe disse: não é glutã Ley, é glutão. E você, meu amigo, como sempre cavando um empate quando perdia uma disse: “Com certeza o meu dicionário está errado”.

Você se lembra de quando nós trabalhamos no teatro? Você tinha uma memória privilegiada, incomparável e decorava o seu e os papéis dos demais atores. Tratando-se de uma peça antiga tinha muitas palavras diferentes e você nadou e rolou esnobando as palavras chamadas difíceis.  ---- Certa vez você disse que estivera aconchegado no sansão, foi uma piada para a turma. Às vezes você facilitava quando empregava uma palavra diferente.

 Não tenho como me esquecer das suas paixões quando arrumava uma namorada nova. Aliás, você se apaixonava e desapaixonava com tanta facilidade meu querido Ley! Na mesma hora que você estava naquele entusiasmo, fazendo poesias, fazendo frases para a garota, muito beijinho, muita balinha de hortelã para apurar o hálito, você já estava desgostoso. ----- Uma vez você começou a namorar uma moça da roça chamada Antônia; nos primeiros encontros você só a teria visto à noite. Contudo, tendo chegado à festa do Rosário, você a viu durante o dia, isso foi o bastante para você terminar o namoro.  ------- 

Eu lhe perguntei: o que houve Ley? e você disse prontamente:
“Sabe, Armando, não suporto mulher com o calcanhar rachado. Dá-me a impressão de que ela é toda rachada, descuidada. Não suporto também  aquelas rodelas de suor debaixo das axilas... Não dá, o que me dá é a impressão de que ela é toda fedorenta!”

Esteja com Deus meu querido compadre. A nossa Candeias não existe mais e os candeenses de hoje não iriam querê-la, garanto.

Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos.




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