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terça-feira, 14 de junho de 2011

UM PEDIDO DE EMPRÉSTIMO


Da casa de minha mãe, em Candeias, para ir ao Supermercado Faria é um sacrifício. A Rua José Hilário da Silva tem uma subidinha terrível. E eu, já com os meus sessenta e oito anos, não tenho tanta disposição para ficar subindo ladeiras. Num passo lento, dá para ir bem. Mas, a passos largos, a gente chega ao ponto final da linha pondo a alma pela boca.

Dizem que, para se encontrar com o diabo, não precisa madrugar e isso é uma verdade. Ontem, por volta das 11 horas, minha mãe me pediu para comprar uma carne para o almoço com a recomendação de não demorar porque a moça que faz a comida “já ia colocar a panela no fogo” em uma forma bem familiar de dizer para não demorar. 

Às vezes, eu me encontro com um amigo e me pego no papo sempre deixando alguém a esperar. Evito fazer esse percurso de carro para sair um pouco do sedentarismo que a vida me impõe graças ao uso indiscriminado do controle remoto, do celular, do automóvel e outras facilidades advindas do modernismo.

De tanto a minha mãe falar para não demorar, acabei subindo o morro um pouco apressado o que me levou a chegar ao supermercado cansado.

Como subi apressado, era minha intenção descer, também, apressado. Mas, quando vou descendo, nas imediações da Praça da Fraternidade, vem subindo, por ali, aquela senhora amiga que sempre me azucrina, mas, que sempre me prende no papo. Uma verdadeira peça rara. Um tipo de gente que se dela for um amigo não há nenhuma necessidade de ter um inimigo. Sua vida é um drama que poderia se transformar em uma novela da Rede Globo.

Quando a vi pensei: “Ai, Meu Pai dos Céus, justamente agora!.” Já pude imaginar qual poderia ser o assunto... Uma pessoa que sempre está pondo mãos postas e lamentando a ausência dos seus filhos.

Há dias que me dá uma vontade de lhe perguntar por que não nasceu rica!? Poxa! A mulher só sabe reclamar da vida, da ausência dos filhos! Da chatice do marido! Meu Deus, como tem gente aborrecida, neste mundo!

-- Oi, Sô Armando, lá vai com pressa? O que que foi? Tem alguém morrendo?

--Não. É que eu fui comprar uma carne para o almoço e a panela já está no fogo...

--Ah! Tem dó, Sô Armando, onde já se viu isso... Põe a panela no fogo e sai pra rua. 
Homem é bicho burro mesmo.

---Quando disse que a panela está no fogo se trata de uma forma de  dizer que estou com pressa, mas, na verdade, não tem nenhuma panela no fogo.

--- Sô Armando, hoje eu ricibi uma carta da minha fia. Ela falou bonito dimais na carta, Sô Armando! O senhor sabe que eu até chorei?

---Mas, o que houve que lhe causou lágrimas?

---A minha fia, Sô Armando, que ganhava dois salários, por mês, agora vai ganhar treis, Sô Armando! Treis salário, Sô Armando, e o senhor já pensou?

---Já! Já pensei. Agora, ela vai lhe mandar um de presente, não vai?

---Tá sorto, Sô Armando! Tá sorto! Quem me dera! ---- Ela é assim: se ganha um, gasta dois; se ganha dois, gasta treis e se ganha treis, gasta quatro. Já está lá, comprando um celular novinho, coisa chique mesmo...

---Mas, você tem que ensiná-la a administrar o dinheiro. Isso é uma questão de ensinamento...

---Que mané ensinamento, Sô Armando! Parece que o senhor nunca criou um fio. Óia, eu ensino dum jeito, eles faz do outro? Eu só ensinei ela a ganhar, mas, ela só aprendeu a gastar... Foi embora e me deixou, aqui, dando a cara à tapa para as dívidas dela. Manicura, cabilerêra, prestação de rôpa. Um fregi de conta pra pagá em cima de mim. E ela num manda nada. E ainda vive pedindo.

---E você dá?

---Uai, mãe é mãe, né, Sô Armando! Mas eu nunca tenho!

---Mãe é boba, você deveria dizer!

---O senhor porque não é mãe.

---E o pai dela!?

--- Que nada. O pai dela num tá nem aí. Cobra dele e ele só fala: A hora que ela chegar aqui, eu mando ela ir lá... E, assim, ele vai enrolando tamém. E, lá em casa, só eu que tenho cara pra crescer, cara para ficar vermelha e cara para cair no chão. Eu já num to agüentando mais. Eu, tamém, tô tendo que enrolar. Eu num tenho como virar dinheiro. O trem é brabo...

---Olha, você me dá licença porque minha mãe está esperando a carne...

---Não, Sô Armando, espera só um pouquinho! Eu estou precisando falar com o senhor e é muito importante para mim.

---Então diga...

---Será que dá para o senhor me emprestar cem reais?

---Parece que nós temos um pequeno acerto antigo, não temos?

---Uai, de quê, Sô Armando?

---Você não se lembra?

---Uai, num lembro não...

---Bom. Então, deixa isso pra lá. Como você ia dizendo?...

---Então, tá bão! Eu queria ver se o senhor me empresta cem reais, por uns dias pouco.

---Eu conheço esse filme. Se eu lhe emprestar, quem vai pagar? Ela ou você?

---Bem, Sô Armando, é ela. Eu não tenho como. E, depois, como o senhor sabe, eu tenho recebido cobrança de dividas dela, desde que foi embora. A menina é discabiciada. Deixou unha, cabelo, farmácia, tudo pra eu pagar e já recebi outras cobranças...

---Olha, eu não tenho esse dinheiro, senão, eu lhe emprestava.

---O quê, Sô Armando?!!! O Sr. num tem cem conto? Engana eu que eu gosto. Deus vai castigar o senhor por falar uma mentira desse tamanho. Se o senhor num quer me emprestar eu até entendo, mas, dizer que num tem. Nossa, Meu Deus! Que pecado! Que coisa feia, Sô Armando, menti assim, tão descaradamente. Eu num vou ficar com raiva do senhor não, mas, tem gente que fica.

--- Olha, eu vou ser franco com você. A gente empresta quando sabe que vai receber. Do jeito que você está falando, eu não vou receber nem no dia de São Nunca.

---Bem, Sô Armando, já que o senhor não tem os cobres, ou num quer emprestar, bem que podia pedir a sua mãe para emprestar para mim...

---Eu! Pedir a minha mãe para emprestar para você?! Tenha a santa paciência.

---É, Sô Armando. O senhor é um amigo igual banheiro intupido: num pode usar quando pricisa. É uma torneira sem água, numa pia cheia de trem sujo. É uma cama sem colchão pra quem tá com sono. É fogão sem fogo pra quem quer conzinhar. Amizade, assim, num adianta, uai!

----Então até logo, outra hora a gente conversa mais...
----Vai com Deus Sô Armando, mas deixa de ser mentiroso viu?

Cheguei à casa e ainda levei uma baita bronca de minha mãe por ter demorado a voltar com a carne.


Armando Melo de Castro
Candeias MG Casos e Acasos

Um comentário:

Celle disse...

Gostei muito Armando!
Adoro sua forma simples direta e rica de detalhes para descrever as cenas, até visualizo tudo!
muito bom mesmo"
Celle