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quinta-feira, 29 de maio de 2008

MALDITOS OXIÚROS!









Wanderley Alvarenga. Assim se chamava um dos meus maiores amigos de Candeias. ---- Conhecido popularmente por Ley Careta numa alusão a um parente seu, da família Alvarenga, que tinha o apelido de careta. ----- Era dez anos mais velho do que eu. Às vezes chego a pensar que fui um adolescente diferente, pois sempre gostei de ter amigos mais velhos. Entre eles, sito alguns como, Gabriel Carlos, João de Souza, Antônio Macedo, Alvim Ferreira e outros, que faziam parte do meu rol de amigos.

Porém, essa amizade, com cada um, acredito, teria sido por questões diferentes, ou seja, na captação de ideias; na intenção de um aprendizado adquirido com as pessoas mais velhas, devido à pregação exercida por meu pai. ------ Já com o Ley Careta teria sido um fato diferente. Um rapaz dado a conquistas amorosas; gostava de fazer poesias para as suas pretendentes; fazer discursos; contar histórias etc. E eu em plena adolescência queria aprender todas essas aventuras. Tínhamos algo em comum: éramos pobres e um companheiro pobre e chorão da vida como ele, poder-se-ia me animar a correr... Lutar e enfrentar a vida enquanto fosse tempo. 

Acredito, portanto, que a grande lição de vida aprendida com o meu amigo Ley, foi não perder tempo como ele perdia e procurando fazer o contrário, diante dos seus clamores, suas seus traumas, seus anseios e seus fracassos. ------ Poder, todavia, tirar as minhas conclusões e pensar em tomar um rumo diferente. É de todo patente que no curso da escola da vida todo amigo é nosso mestre, seja de coisas certas ou erradas. Muitas pessoas me  perguntavam: como você tolera o Ley?

À bem da verdade, não era o modelo para o qual eu queria ser. Foi um grande amigo, mas não foi um bom mestre. Não pude imitá-lo tendo em vista o seu relacionamento com o fracasso. Vivia queixando-se da sorte e culpando os outros pelo seu mau êxito. Fez isso até às vésperas de sua morte. As suas conversas eram interessantes, sobre vitórias e derrotas. Normalmente perdia mais do que ganhava. Não se empregava porque dizia não saber puxar o saco de ninguém. ------- Não estudou porque as escolas só tinham vagas para os ricos. ------- Era pobre por culpa de seu pai, dizia sempre. ------ Suas paixões eram como paixões de adolescentes. Quando se pendia por uma moça ou se dela recebesse um sorriso ou um olhar, já era o suficiente para iniciar ai um processo de perseguição. Quando em estado invocativo, era visível para todas as pessoas o seu comportamento “preguento” em demasia.

E nessas lembranças, tão bem guardadas, sempre surge o meu amigo, Ley Careta, colocando, sempre, um parágrafo nos capítulos na historia da minha vida. 

Certa feita, numa Semana Santa, quando os roceiros vinham à cidade para as festas, o meu amigo esteve ganhando alguns olhares, de uma jovem vinda de um local chamado “Quarta Turma”.

Esse nome era uma menção à residência de uma turma de empregados da Ferrovia que ficava na zona rural do município de Candeias.  Tratava-se de uma moça muito bonita. Não me lembro do seu nome e nem de que família pertencia. ----- Sei que não parecia ser alguém vinda da roça. O seu porte chamou a atenção de vários rapazes. Contudo, o Ley, empanado no seu famoso terno de linho branco, gravata vermelha e andando como que um coronel revisando a tropa, ganhou a simpatia da jovem e ai, não seria difícil imaginar o quanto de mel, melado e poesias; palavras difíceis, suor frio, ânsia, desatino, esperança e mais tudo que aquele coração apaixonado poderia sentir. ------ Nós, eu e ele, estávamos num parque de diversões instalado defronte à cadeia pública onde atualmente se encontra a estação rodoviária de Candeias.

O meu amigo era naquele momento o homem mais feliz do mundo e disse-me: “Armando! desta vez eu armo o meu barraco”. “Ela é filha de um fazendeiro daquelas bandas da Quarta Turma”. “Parece estar apaixonada por mim...”. “A turma vai morrer de inveja de mim”. Disse ele. Havia conversado com a donzela no máximo cinco minutos. E teria ficado combinado um reencontro para o próximo dia. Mas ela somente se apresentaria após a procissão e o parque teria sido o local de referência e o momento era chegado. 

A procissão ainda não havia terminado e o apaixonado já se encontrava desesperado para ir ao encontro da sua Afrodita. E eu, não gostava de perder os lances e sempre em sua companhia fui lhe seguindo enquanto me perguntava se estava bem em seu visual, agora com um terno de casimira azul. ----- Era sempre assim: num dia o terno branco, no outro, o terno azul e uma terceira e quarta opções era a calça de um terno com o paletó de outro. As gravatas eram confeccionadas por ele mesmo. Na verdade com dois ternos ele fazia quatro. Para quem não conhecia a pindaíba em que vivia a rapaziada daquele tempo, dava para fazer vistas, as moças que vinham da roça. (naquele tempo é claro, porque hoje!). 

Quando descemos rumo ao parque, ele a viu nas proximidades da Igreja do Senhor Bom Jesus ----- Já no parque a imaginação do amigo Ley começou a funcionar em voz alta. Ele já via chegar a sua ninfa encantada. Ela era linda e trazia no seu seio a pureza e a beleza e uma alma cândida. ---- O seu sorriso florido; o encanto dos seus olhos; o seu corpo tipo violão, coberto por um vestido branco, deixando às soltas as pernas morenas o que a tornavam num feitiço de mulher capaz de fazer sumir quaisquer caretas da praça e ou deixar alvoroçados até oxiúros, por mais ocultos que se encontrassem. Estava por pouco. Por muito pouco tempo o momento do encontro. Eu nunca teria visto em toda a minha vida um jovem tão eufórico, tão afoito ante um encontro.

A programação consistia num papinho inicial e logo o convite para junto do Grupo Escolar Presidente Kenedy, próximo dali, poder estar mais à vontade, onde se esperava rolar um pega-na-mão; um beijinho... E já teria pensado até mesmo num pega-pra-capar e com isso entrar em êxtase. E uma recomendação dele é de que quando a garota chegasse eu teria que “cascar fora”.

De repente o meu amigo fala alto e irritado: “Não meu Pai do céu, agora não isso não é possível”. Mas que desgraça, logo agora? Assustado, pergunto: O que houve Ley? O que aconteceu? E ele responde: são os malditos oxiúros!!! Justamente agora eles começaram a me atacar... De início cheguei a pensar que ele estava ficando louco e perguntei de novo: Mas o que é isso? O que quer dizer isso? --- Eu não sabia o que era oxiúro --- É uma desgraça de um verme disse. Verme? Mas que verme? Onde você tirou verme? Perguntei. E muito danado da vida me explica:- Eu tenho um maldito de um verme que se chama oxiúro, ele fica localizado no ânus e dá uma coceira que dá vontade de enfiar a unha e arrancar tudo fora. E essa desgraça está me atacando justamente agora... Eu já fui ao Posto de Saúde, mas o Amilton do Dr. Zoroastro disse-me que só na semana que vem chegam os lombrigueiros. Aquela merda não tem nada... Desgraça de oxiúro... E chamou-me para ir embora.

Paramos no bar do Sebastião do Leonides, e ele foi para o banheiro, mas não saiu de lá disposto a voltar para o parque. Ele estava transtornado... Revoltado e indignado. Não falei nada... Não ri... Não fiz nenhuma gozação... Apenas pensei: pobre Ley! Que dó... Ele estava tão feliz!!!! 

Que Deus o tenha meu amigo. Onde quer que esteja receba o meu abraço.

Armando Melo de Castro

Candeias casos e acasos


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